17.9.10

26 - o nome da rosa


Umberto Eco.
Guilherme era um frade franciscano com especial tendência para resolver mistérios e contrariar a inquisição, isto numa altura em que esta queimava até mais não. Essa tendência para contrariar a ortodoxia dominante surgiu-lhe quando, curiosamente, era membro dela própria, ou seja, quando era um dos mais destacados inquisidores que existiam, conhecido mesmo pela justiça e acuidade das suas sentenças. Inevitavelmente a dissensão entre Guilherme e o seu empregador começou quando este viu os seus rácios serem analisados à luz de critérios, digamos assim, de produtividade. Guilherme não queimava pessoas suficientes. Depois de várias discussões, e quando já não estava muito longe de ser ele próprio enviado para a fogueira, Guilherme sabiamente desistiu e foi, literalmente, pregar para outra freguesia. Regressou às profundezas da sua ordem e alheou-se da interpretação terrena dada à justiça divina. O problema é que Guilherme constituía a reserva intelectual da ordem Franciscana, e não tardou a ser chamado para outras situações delicadas e espinhosas, situações essas em que, alguém mais atento, facilmente veria o fumo das fogueiras lá ao fundo e sentiria ainda mais facilmente o cheiro a queimado. Ou, melhor dizendo, a esturro… Guilherme foi assim chamado para constituir uma equipa de representação da Ordem Franciscana numa questão que muita tinta iria fazer correr (este pormenor da tinta iria revelar-se bastante importante). A questão era bastante actual na altura e continuou a sê-lo sazonalmente ao longo da História e era sobre a legitimidade de a igreja católica possuir riqueza ou não. De um lado, os franciscanos diziam que Cristo era pobre e que, quanto mais não fosse por coerência, a igreja por ele fundada também o devia ser. Assim sendo, e dado que a igreja era presentemente (naquela altura) rica, deveria despojar-se dessas riquezas e voltar às suas origens e valores primordiais até porque estes estavam bastante longe das preocupações actuais da igreja. Diga-se em abono da verdade que esta ideia era partilhada por uma infinidade de seitas cristãs, umas mais violentas que outras, das quais a mais famosa foram os Cátaros. Bem, sobre estes ainda mais tinta iria correr, e não nos esqueçamos de quanto a tinta vai ser importante nesta história…Do outro lado da contenda, estavam os dominicanos, ricos e bem instalados na hierarquia religiosa, provavelmente bastante próximos do papa. Os dominicanos acreditavam que sendo Cristo filho de Deus, a única maneira de o honrar é honrando a sua igreja, e honrar a sua igreja significa, não só o culto e a fé, mas também o tributo e o dízimo. Quem senão o representante de Cristo e de Deus na terra tem legitimidade para Ter poder ? E riqueza ? Já que terá sempre que haver riqueza e sua posse, então que esta esteja na igreja, onde se encontram os mais justos de entre os homens. Enfim... Discutível... Isto era também o que achava Guilherme, que para além de franciscano, ou se calhar apesar de franciscano, não era curto nem na inteligência nem naquela qualidade tantas vezes mais importante que a inteligência pura, e que se chama bom senso.
O encontro entre franciscanos e dominicanos teve lugar numa abadia perdida nos Alpes italianos (confirmar isto), no cimo de uma montanha no sopé da qual existiam meia dúzia de aldeias em que a miséria humana não seria exactamente extrema mas que não andaria assim tão longe. Tipo, os aldeões comiam os restos que a Santa Igreja mandava pelo precipício abaixo. Um dia, o que foi pelo precipício abaixo foi um dos frades, e o Frade Superior (é muito mais fixe Madre Superiora) pediu a Guilherme que descobrisse como diabo (no verdadeiro sentido da palavra) ele lá foi parar. Guilherme adorou o desafio e, acompanhado de Adso, desatou a abrir os armários de todos os monges da Abadia. Inevitavelmente, teria que sair um de lá de dentro. Berengário, bué de paneleiro, que tinha pelo menos o hábito de parecer bué de paneleiro e de se comportar paneleirimamente o que quer dizer que não seria por causa do pecado da falsidade que iria para o inferno. Iria, provavelmente, por causa do pecado da sodomia, mas isso se calhar nem pecado é, já. Nos armários dos outros monges só havia esqueletos, pelo que podemos considerar não haver pecados carnais envolvidos, dado que os esqueletos não costumam ter lá muita. Carne. Bem, mas do outros pecados não havia falta. Cobiça, ganância, avareza, pá… parecia o seven. Inevitavelmente, com tantos pecados, a justiça divina havia de se abater sobre aquele pessoal e vai daí, passaram a morrer, numa espécie de padrão apocalíptico que seguia a ordem das trombetas. Um afogado na banheira, outro virado ao contrário no meio de uma bacia de sangue de porco, outro com um castiçal encastrado nos cornos e todos com a língua preta, mesmo Berengário, que à priori a poderia ter branca. No meio disto tudo, e enquanto a inquisição não chegava, Adso comeu uma pobre que andava a ser comida pelo mestre despenseiro em troca de comida (triste, mais um pecado) e Guilherme descobriu que havia uma biblioteca secreta dentro da biblioteca normal, cheia de livros raros e proibidos pelo Índex. Como se perdeu lá dentro, não pode evitar que a inquisição entretanto chegasse e queimasse dois ou três por terem sido considerados bodes, não em termos de representação satânica, mas sim em termos de expiadores doa assassínios ocorridos. Já não me lembro bem, mas terá sido daí que saltaram umas fagulhas que incendiaram a biblioteca toda, qual Alexandria parte dois. E, sem biblioteca, Guilherme foi-se embora triste. E quem matou a malta? Pá, foi um livro de Aristóteles chamado comédia (fui verificar, nunca existiu), que Jorge, o bibliotecário cego de Babel (isto é uma piada minha, só para mim, para já) envenenou e que a malta, ao desfolhar lambendo o dedo, ia ingerindo o dito. O veneno. Vai daí, alucinava e cada um deles morria da maneira mais original de que se conseguia lembrar. E, pior do que isso, ficava com a língua preta, mesmo Berengário que … enfim, já falamos disto… O livro acaba, ou devia acabar (já o li para aí há vinte anos) com Guilherme e Adsoa caminharem monte a num fade-out Oliveiriano, discutindo a vacuidade do género humano . Vamos considerar que foi assim que acabou.

9.9.10

25 - the stupidest angel


Christopher Moore.
Raziel, o anjo menos inteligente do paraíso, volta à terra encarregue de realizar um milagre de Natal a uma criança. A criança é Josh (Raziel ? Josh ? Isto lembra-me algo), e ia a caminho de casa preocupado com o que lhe iria acontecer por ser tão tarde e ele ter ficado a tarde toda a jogar playstation com o amigo judeu e, consequentemente, ir chegar a casa tão tarde. Não bastava já essa preocupação, eis que no meio de um pinhal, ele vê a cabeça do Pai Natal a ser cortada por uma pá que estava na mão de Lena, ex-mulher do Pai Natal em causa, que mais não era que o empreiteiro bué de mau da cidade, convenientemente vestido e que se reparava para a matar (a Lena) porela estar a roubar os seus pinheiros. Josh fica aterrorizado e pensa que isto é um castigo divino por estar a ir tarde para casa e aqui começa a confusão teológica. Josh acha que Deus está a castigá-lo por estar a chegar tarde a casa e, por isso, faz com que o Pai Natal seja morto só para ele não ter presentes. Quando Raziel chega à sua beira e se apresenta como um anjo e lhe pergunta qual o desejo que quer ver ser satisfeito, Josh não hesita e pede-lhe para ressuscitar o Pai Natal que tinha acabado de ser assassinado. Raziel torce o nariz, pois não lhe agrada muito ressuscitar um símbolo pagão que rouba todos os loiros do Natal ao Menino Jesus. E ele, Raziel, era loiro, mais um motivo para ficar chateado e mais ainda para esta associação tão estúpida que acabei de fazer e que nem todos entenderão. Vai daí, e também por ser algo preguiçoso, não se deu ao trabalho de localizar o sítio onde o Pai Natal estava enterrado, por isso limitou-se a fazer uma ressurreição a uma escala maior, lançando o, chamemos-lhe assim, feitiço, ao longo de uma área bastante considerável que, azar e falta de observação, apanhava o cemitério da cidade…Vai daí, ressuscitou não só o Pai Natal falso mas também um monte de outros mortos que, em diferentes estados de decomposição, se levantaram a gritar que queriam comer os cérebros dos vivos e, a seguir, ir ao Ikea. A sério. Não estava cheio de sono quando li isto, não é um delírio meu. Os zombies queriam mesmo ir ao Ikea. Vai daí, dirigiram-se à capela onde estava a decorrer a festa de Natal da cidade. Dentro da capela estava Lena, ainda algo em choque por ter morto o Pai Natal, perdão, o ex-marido e Tuck, um piloto de helicóptero cujo trabalho era descobrir plantações de marijuana a partir do ar e que, porque a queria seduzir, muito amavelmente ajudou Lena a enterrar o ex-marido e a livrar-se de todas as provas. Isto logo a seguir a tê-la apanhado em flagrante pós-assassínio. Tuck, além deste pragmatismo despreocupado tinha ainda como característica ter como animal de estimação e melhor amigo Roberto, um morcego gigante que usava óculos Ray Ban de aviador e falava com sotaque espanhol. Vá… Filipino. A profissão de Tuck interferia com a de Theo que era o único polícia da cidade. Isto deixa de parecer contraditório quando nos apercebemos que Theo tem um campo de marijuana, daqueles que podem ser detectados se algum helicóptero lhes passar por cima. A razão de Theo ter um campo de marijuana é para ter dinheiro para comprar a prenda de Natal para a mulher. A prenda é uma daquelas espadas japonesas tipo Kill Bill, com o aço dobrado e martelado 500 vezes. A mulher é Molly, antiga actriz de cinema que protagonizou uma série de filmes da Kendra, uma espécie de Xena, a princesa Guerreira. A Molly é muito fixe.. Como vive nos limites da paranóia / esquizofrenia (confundo sempre estes dois) tem que andar sempre medicada. Mas como precisava de dinheiro para comprar a prenda para o marido, deixou de tomar a medicação. A prenda era um cachimbo de água esquisitíssimo, em cristal, para ele dar as suas passas feliz. O marido é Theo, o polícia. Já falamos dele há bocadinho. E quando Molly deixa de tomar a medicação, começa a sobrepor os mundos, o de Kendra, onde há mutantes, piratas assassinos e afins, e a realidade, passando esta a ser, digamos assim, algo irreal. Além disso, passa também a ouvir vozes. Mas como é uma mulher inteligente, ouve apenas uma voz, a que chama, o Narrador, e com quem passa a discutir todas as suas decisões quotidianas. Último pormenor relativamente aos efeitos que a não medicação causa em Molly. Esquece-se de se vestir…
Então os zombies, dizia eu, resolveram atacar a igreja. A luta não teve muito que se lhe diga. Depois de um cerco não muito prolongado, Molly despachou os zombies todos com a sua espada nova. Todos não. Theo tomou para si o privilégio de rematar o Pai Natal, levando Raziel ao desespero por pensar que tinha que fazer tudo outra vez. Não tinha. Enfim… Não é grande história, mas os personagens são todos muito fixes. Se não chega os que já descrevi, temos ainda o puto judaico amigo de Josh, com a sua apologia da Hannukah, temos Gabe, o biólogo que, desiludido por ter sido deixado pela mulher, passa a andar com eléctrodos nos testículos que lhe dão electrochoques nos momentos de excitação sexual, tentando com esta prática obter uma reacção anti-sexual pavloviana, temos Skinner, o cão de Gabe, cuja única preocupação é que a vida do seu dono, a quem chama Food Guy, corra bem para que os seus hábitos alimentares não sejam interrompidos e que fica mesmo muito triste quando lhe chamam cãozinho mau, temos Mavis a dona do café da zona, tarada sexual com dificuldades em consumar a sua tara (não temos nós todos ?) que meteu drogas no bolo de frutas do Natal, a ver se animava um bocadinho aquilo, temos Ben, o corredor dos 100 metros com musculatura e forma física perfeita e testículos minúsculos, provocados por uma vida de esteróides, que transformou a corrida da sua vida na corrida da sua morte…. Enfim. Não sendo nenhuma obra prima, é sem dúvida uma boa prima do mestre de obras.