1.12.11

30 - hunger games




Suzanne Collins

A necessidade de variar surgiu do facto de desde Agosto estar a ler o mesmo livro, mais volume menos volume. Convenhamos que quase seis meses a ler o que se passa nos Sete Reinos, com visitas ocasionais às Cidades Livres e andando atrás dos Dothrakis é, digamos assim, cansativo… Mais a muralha, e o para lá dela, e as tricas Borgianas de toda aquela gente, e a fixação pelas maçãs, e pelo “florescimento” das raparigas, e a expressão break the fast… Precisava mesmo de desenjoar. Até mesmo os clássicos cansam. É pelo menos esta a minha experiência da leitura da Bíblia e da Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Da Verbo, claro. Vai daí, vi uma referência de uma triologia juvenil chamada The Hunger Games e que parecia estar bem cotada.
Trata-se do monólogo interior de uma rapariga chamada Katniss que vive no Distrito 12, o último do “país” que outrora se chamou Estados Unidos da América. Não sabemos como foi que este colapsou, mas o facto é que os 50 estados passaram a 12 distritos e que esses 12 distritos fizeram aquilo que os estados nunca fizeram. Revoltaram-se contra a capital, que se chama “Capitol” e, talvez por serem poucos, perderam. Daí resultou uma ordem social inteiramente nova, que tinha pelo menos a vantagem de ser ordenada. Tipo: o Distrito 1 faz têxteis, o Distrito 2 não sei o quê, do 3 até ao 10 também não me lembro, o Distrito 11 trata da agricultura e o Distrito 12 da mineração de carvão. Tinha também diversos inconvenientes, geralmente comuns a todas as democracias demasiado musculadas, dos quais se destacavam dois mais importantes. O primeiro inconveniente era que quanto maior o número do Distrito menos comida este tinha, pelo que a partir do 3 e do 4 já andava tudo com fome. O segundo inconveniente era muito mais do que isso. Chamava-se Os Jogos da Fome, e é deles que o livro trata.
Os jogos da Fome são uma mistura de Big Brother, Survival e Highlander, sendo que tudo é televisionado, é uma luta pela sobrevivência e no fim there can be only one. Cada distrito, numa expiação eterna da sua rebeldia, tem que fornecer duas crianças, um rapaz e uma rapariga entre os 12 e os 16 anos para os jogos. A partir dos 12 anos, todas as crianças passam a fazer parte do sorteio, tendo um papelzinho com o seu nome por cada ano que passam dos 12. A não ser que tenham fome, ou que as suas famílias tenham fome. Se for este o caso, cada criança tem direito a comida extra para si e para os seus na razão directa do número de papéis extra que coloca no caldeirão. Katniss tinha para aí uns doze papéis, e isso porque tinha que sustentar a mãe e sustentar e proteger Primm, a sua irmã mais nova. Que atingiu 12 anos este ano, pelo que tinha um papelzinho no sorteio deste ano. Só um. Chegou. Foi escolhida e Katniss nem hesitou em voluntariar-se para proteger a irmã, situação que a tornou especial logo à partida. O outro sorteado foi Peeta, um rapaz que tinha sido simpático para Katniss no passado e que, mesmo sem querer, se tornou o marco na viragem que ela fez para conseguir fugir da miséria. Isto através de um processo de introspecção muito intenso que não vale a pena descrever aqui. É mesmo melhor ler.
E lá foram os dois, para os Jogos da Fome, onde tiveram que enfrentar mais outros dez e onde valia tudo até arrancar olhos. O livro aqui não perde tempo, é sempre a abrir e as mortes não esperam muitas páginas para irem acontecendo. Até porque é essa a ideia dos jogos, uma vez que as audiências não se podem aborrecer e, relembremos, tudo é visto em directo por toda a gente. Assim, praticamente ao ritmo de um por dia. Morria um tributo. Por dia não. Por noite, porque a maneira como eram anunciadas as mortes era com um tiro de canhão e com a projecção no céu nocturno da cara do morto. Bonito.
O fim é previsível. Katniss e o namorado iludem os Gamemakers, aproveitam-se do Truman Show e vencem o jogo, não sem que antes Katniss tivesse que enfrentar a morte simbólica da irmã na morte real de Rue, a miúda de 12 anos que teve o azar de ser escolhida no draft e a quem Katniss instintivamente se aliou. Para vencer o jogo Katniss usou uma estratégia Brig Brotheriana e envolveu-se sentimentalmente com Peeta, de maneira a suscitar a empatia da audiência e dos patrocinadores, situação algo ambígua e de difícil gestão porque para Peeta esse envolvimento seria, aparentemente, real. O que me parece que vai criar problemas sentimentais nos próximos dois livros, porque embora eu me tenha esquecido de o referir, Katniss tinha um “melhor amigo” no Distrito, que se chamava Gale e que aposto que não terá gostado lá muito do que viu.
Este livro não perde tempo e vai directo ao assunto, o que é sem dúvida uma qualidade, dado que o transforma numa coisa bastante genuína. O que mostra é o que vale, e isso é sempre uma qualidade. Nem empastela o que é bom nem esconde o que é mau. E a prova disso é que tem apenas dois capítulos e é sempre a abrir. E isso é bom.

10.9.11

29 - fables 3.1



No dia 1 de Agosto (e eu sempre tive uma relação peculiar a três comigo, com as minhas leituras e com este mês), ou melhor, na noite 1 de Agosto, numa daquelas noites em que preferia estar noutro sítio, a fazer ou a não fazer outras coisas com outras pessoas, a sentir que o Verão é efectivamente diferente do resto do ano e que essa diferença não se esgota a ficar deitado na varanda até adormecer, deitei-me na varanda e, se calhar adormeci. Ou se calhar não, mas a experiência por que passei poderia bem ser um sonho, porque nessa primeira noite, a Bela e o Monstro estavam a contar as dificuldades do seu casamento à Branca de Neve, e o Principe Encantado estava a pinar ferozmente uma empregada de café, e o Lobo Mau estava a investigar o rapto da a namorada do Jack (o do pé de feijão). Condensado, seria assim. Na segunda noite, um dos três porquinhos estava na sofá do Lobo Mau a queixar-se que queria viver na cidade, e a Bela Adormecida esta a lutar esgrima com o Barba Azul,, e o Principe Encantado estava a almoçar com a Branca de Neve, sua primeira mulher, e estava a cravar-lhe dinheiro, e o Lobo Mau acusou o Barba Azul de ter matado a irmã da Branca de Neve. E na terceira noite o Barba Azul estava a tentar matar o Jack (o do pé de feijão) por achar que este tinha matado a irmã da Branca de Neve, e a irmã da Branca de Neve tinha prometido casar com o Barba Azul, e que era por isso que ele estava fodido, e o Lobo Mau e a Branca de Neve também sabiam isso E na quarta noite havia uma festa em que o King Cole, presidente da câmara, recordou a toda a gente que todos eles vinham do mesmo sítio, e que foram de lá expulsos pelo Adversário, e que por isso é que tinham vindo todos para Nova Iorque, e o Pinóquio confidenciou que estava farto de estar há mais de trezentos anos aprisionado no corpo de uma criança de 10, e que queria sexualizar, e que não conseguia, e que se estava a passar, e o Lobo Mau descobriu que a irmã da Branca de Neve afinal não tinha morrido. E na quinta noite o Príncipe Encantado tinha leiloado o seu título na internet. E na sexta noite havia uma quinta cheia de não humanos super famosos, e levaram um dos três porquinhos de volta para lá, e a quinta estava dominada pelos porcos, e que aquele dos três porquinhos que passava a vida a fugir da quinta para a cidade se chamava Collin, e que, nessa noite, a cabeça dele apareceu espetada numa estaca, tipo Deus das Moscas. E na sétima noite descobri que foram os três Ursos da Cachinhos de Ouro que mataram o Collin, e que foi a Cachinhos de Ouro que os mandou fazer isso, e que foram descobertas por Reynard, a raposa, e que havia um grupo de animais rebeldes que queriam fazer uma revolução, e que entre esses animais estava o Balu , a Cobra Cã e o Shere Khan , e ainda a a Baguera, todos do Livro da Selva e todos estranhamente unidos. E na oitava noite, os animais da quinta estavam todos a fazer de conta que eram porcos e revoltaram-se, e a Branca da Neve teve que fugir para a floresta, e o Shere Khan foi atrás dela, e ela matou-o com quatro tiros no focinho, e depois entrou numa gruta onde estava e Ferreiro Weyland a fazer armas para os animais revoltosos, acorrentado com um feitiço que não lhe permitia usar as ferramentas que tinha para quebrar a própria corrente. E na nona noite, a Branca de Neve tinha sido apanhada pelos revoltosos e foi julgada pelos porcos do Orwel e aprisionada junto ao Ferreiro Weyland, e prepara-se a batalha final, sendo que entre os revoltosos consegui ver, para além dos já mencionados, o Coelho Branco da Alice, o Gato das Botas, a Morsa dos Beatles, o Chicken Little, o Gato de Chesire (o da Alice), a Lebre e a Tartaruga, um monte de liliputianos e ia jurar mesmo que vi o Ursinho Pooh e o Piglet, mas pode ter sido uma alucinação, e entre os leais à Branca de Neve só reconheci o Rei Leão, e apesar da desproporção, Branca de Neve ganhou a batalha recorrendo a quatro gigantes e um dragão, numa espécie de antevisão aos quatro casamento e um funeral, funeral que poderia bem ser o dela, uma vez que a Cachinhos de Ouro lhe acertou com uma bala entre na cabeça, a mais de duzentos metros e usando, obviamente, uma espingarda com mira telescópica. E na décima noite o Principe Encantado, o Barba Azul, e o Rapaz Azul (esta repetição não foi um descuido) chegaram à quinta e tomaram conta da situação, e o Príncipe Encantado foi o juiz dos julgamentos dos revoltosos, e os porquinhos que sobraram foram condenados à morte por um carrasco que não era talhante e que demorou mais de dez golpes a cortar-lhes a cabeça, danificando assim as costeletas do cachaço, e tudo acabou bem, passando a irmã da Branca de Neve a tomar contada Quinta. E na décima primeira noite fiquei a saber a história do Jack, o dos Feijões, que ganhou o saco da morte num jogo de cartas, e quando contei doze, um jornalista descobriu Fabletown, e a Bela Adormecida picou o dedo dentro da Tiffany´s, adormecendo toda a gente lá dentro. E na décima segunda noite, o Barba Azul matou o jornalista que ameaçava denunciar Fabletown, isto mesmo depois do o Lobo Mau ter já conseguido que o jornalista não fosse revelar nada. E na décima terceira noite o príncipe encantado já não conseguiu acordar a Bela Adormecida, provavelmente porque já não a amava e o feitiço só funciona quando a bela é beijada por um príncipe que a ama e, assim sendo, continuou a dormir até ser acordada pelo príncipe que dantes era um sapo e que confessou timidamente que sempre tivera um fraco pela Bela, adormecida. E na décima quarta noite o Barba Azul e o Principe Encantado batem-se em duelo na academia de esgrima, e o Barba Azul e a Cachinhos de Ouro pinam um com o outro, sendo que o Barba Azul lhe dava guarida em troca de, e passo a citar, “um broche ocasional” e ainda o Barba Azul envenena o Lobo Mau e a Branca de Neve. E na décima quinta noite o Lobo Mau e a Branca de Neve vão acampar para o meio do monte e são perseguidos pela Cachinhos de Ouro, que continua a querer matar a Branca, parecendo querer que todos nós cheguemos à conclusão que já não se trata de política mas sim de psicapatia. E na décima sexta noite o Lobo Mau confessa o seu amor à Branca de Neve de uma maneira bastante original, que é dizer-lhe que só fuma tanto para não Ter de a cheirar, porque se a cheirar só lhe apetece comê-la, e isto, digo eu, faz todo o sentido mas eu prefiro não fumar e cheirar, e o Príncipe Encantado mata o Barba Azul num duelo desta vez a sério, aproveitando para lhe ficar com a sua vasta fortuna, e o Lobo Mau revela que conseguiu deitar abaixo a casa dos porquinhos porque o seu pai é o Vento do Norte. E na décima sétima noite a Cachinhos de Ouro enche o Lobo Mau de balas, muitas mesmo, mas de chumbo e não de prata, o que foi um erro e a Branca de Neve enfia um machado na cabeça da Cachinhos de Ouro várias vezes, mas esta custa muito a morrer porque o poder das fábulas é directamente proporcional à sua popularidade entre os humanos e toda a gente adora a Cachinhos de Ouro, o que faz dela extremamente poderosa e dificílima de matar, mas não ao ponto de escapar a 12 machadadas na cabeça, seguida da queda de um precipício e de um atropelamento por um TIR desembestado, e depois o Lobo Mau e a Branca de Neve voltam a Fabletown e a Branca de Neve descobre que está grávida. E na décima oitava noite não acontece nada, e na décima nona noite o Príncipe Encantado quer candidatar-se a mayor de Fabletown e o Lobo Mau reivindica a paternidade da gravidez da Branca de Neve, pois ainda que enfeitiçado, nunca poderia deixar de responder ao apelo da natureza e, vinda directamente da Homeland (leia-se a Terra Natal das Fábulas), aparece a Capuchinho Vermelho. E na vigésima noite o Lobo Mau revela as suas desconfianças sobre a Capuchinho Vermelho à Branca de Neve, e a Capuchinho Vermelho passa-se dos carretos quando descobre que o xerife de Fabletown que a vai interrogar é o Lobo que lhe comeu a avó (e, já agora, que tentou comer os porquinhos, os cabritinhos e por aí fora, ou seja, sempre o mesmo, como seria lógico e de esperar), tudo isto enquanto o Príncipe Encantado angaria assinaturas para tentar chegar a mayor. E na vigésima primeira noite três soldados de madeira parecidíssimos com os agentes do Matrix chegam a Fabletown e espancam o Jack do Pé de Feijão. E na vigésima segunda noite descobrimos que Fabletown optimiza os seus recursos de uma maneira bastante eficiente, pois além do o Lobo Mau ser sempre o mesmo para a Capuchinho, os 3 porquinhos e os cabritinhos, descobrimos também que o Príncipe Encantado foi também sempre o mesmo para a Branca de Neve, a Bela Adormecida e para aCinderela, tendo casado com as três por esta ordem que acabei de escrever, e que a Cinderela é actualmente dona de uma cadeia de sapatarias ( o que faz bastante sentido, digo eu), mas que também é uma das agentes secretas do Lobo Mau que por sua vez, relembremos, é o xerife de Fabletown. E na vigésima terceira noite os soldados de madeira assaltam uma loja de armas, e a Capuchinho Vermelho faz as pazes com o Boy Blue (personagem que ainda não expliquei porque não conhecia, mas que pode ser consultada aqui ) acabando na cama com ele, a pinar, obviamente, jogada errada porque graças ao sexo experimentado ele descobriu que ela não era a Capuchinho Vermelha original, mas sim uma feiticeira vinda das Homelands para, em conjunto com os soldados de madeira, invadir Fabletown, tudo isto enquanto o Príncipe Encantado continua com a sua campanha eleitoral para ser mayor e convida a Bela e o Monstro para serem, respectivamente, mayor interina e xerife em substituição, como sabem e também respectivamente, da Branca de Neve e do Lobo Mau, isto apenas se ganhar as eleições, obviamente. E na vigésima quarta noite a Capuchinho Vermelha falsa (a tal feiticeira que se chama Baba Yaga ) e os soldadinhos de madeira, torturam bastante o Boy Blue e o Lobo Mau descobre quem eles são, e a Branca de Neve proclama o estado de emergência em Fabletown, momentos antes de os soldadinhos de madeira invadirem a assembleia e exigirem a submissão total de Fabletown e, surpreendentemente, a devolução do Pinóquio. E na vigésima quinta noite a Branca de Neve entrincheira Fabletown e reúne as forças leais das Fabels, enquanto que a Capuchinho Vermelho (falsa) faz o mesmo com as tropas leais ao império, que tem a curiosidade de serem completamente formadas por soldadinhos de madeira, e tudo parece indicar que a Guerra vai começar. E na vigésima sexta noite a Guerra escala, começando a correr mal para as Fables sendo que algumas destas começam a morrer, com particular destaque para o Pinóquio, que vê a sua cabeça cortada por um dos soldadinhos de madeira. E na vigésima sétima noite a batalha acaba porque o Lobo Mau regressa e acaba com os soldados de madeira enquanto que a Capuchinho Vermelho (falsa) é derrotada pela feiticeira mais poderosa de todas, que deve o seu poder ao facto de ninguém saber bem quem ela é, ainda que se desconfie que é a bruxa do bosque da casinha de chocolate que queria comer aHansell e Grettel, e depois de se terem enterrado os mortos, as águas da Branca de Neve rebentam. E na vigésima oitava e vigésima nona noites, num flashback elucidativo descobre-se que o Lobo Mau foi um agente secreto americano aquando da segunda guerra mundial e que destrui o Frankenstein, que os nazis tinham, chamemos-lhe assim, reactivado e que pretendiam usar como arma secreta. E na trigésima noite o Príncipe Encantado ganha as eleições para mayor de Fabletown e nascem os bebés da Branca de Neve e do Lobo Mau, que são sete e são também, e compreensivelmente, uma mistura entre humano e lupino, num gradiente perfeito, tendo ainda a particularidade de … voarem. E foi assim que se passou o meu mês de Agosto, e ao pensar que efectivamente eu queria que as minhas noites não fossem apenas mais do mesmo, tenho que reconhecer que foram efectivamente originais. Uma fábula por dia, durante 30 dias, a caminho das 1001 noites, como a Sherazade…

2.9.11

28- world war z



Max Brooks
O princípio do livro faz-me pensar se não há aqui uma metáfora qualquer. Algures na China (metáfora número 1: virá da China o fim do mundo?), numa daquelas aldeias de alguma forma relacionadas com a Barragem dos Três Diques, aparece um miúdo que foi mordido por alguma coisa que estava debaixo da albufeira (metáfora número 2: a barragem como monstro que efectivamente é) e que, abreviemos, se transformou num morto-vivo, zombie para simplificar. A partir daí foi o que toda a gente facilmente adivinhará. As contaminações são funções exponenciais, toda a gente sabe. O mundo, tal como o conhecemos ficou rapidamente, comprometido, tal como a raça humana que muito rapidamente o estava a deixar de ser. Passamos então a ser confrontados com diversas histórias que nos relatam os efeitos, causas, consequências, reacções, efeitos em todo o tipo de pessoas, instituições e países. Estas histórias estão escritas em forma de entrevista, mas daquelas entrevistas feitas como deve ser, em que o entrevistador apenas monossílaba (esta palavra pretende ser um verbo, tipo eu monossílabo, tu monossílabas, etc.) e o entrevistado leva a sério o seu papel, que é o de ter alguma coisa para dizer. Cai assim, inevitavelmente, num monólogo. De seguida, as histórias mais interessantes, mas este é um caso em que o resumo não faz justiça ao livro, porque todas as histórias são interessantes, muitas são geniais, e eu vou esquecer-me de algumas...
O início: A China como metáfora do mal.
A China, origem involuntária da epidemia, fez, nas palavras do chefe da CIA, a maior operação de encobrimento de toda a história. Ou seja, para justificar os recolheres obrigatórios, as execuções em massa, as chamadas dos reservistas para o exército, etc, inventou uma guerra com o Taiwan, já latente há bué de tempo e desatou a fazer macro-Tianamens por todo o lado. De zombies, claro.
Israel: a recompensa da paranóia.
Israel, a primeira a aperceber-se e rapidamente a entrincheirar-se no muro que já tinham, inventando o conceito de quarentena voluntária abandonaram mesmo Jerusalém. Desta vez aceitaram os palestinianos. Isto se os cães os deixassem passar.
O falhanço da inteligência: a CIA.
Na América, a CIA falhou mais uma vez a previsão do que ia acontecer, só que desta vez com razão, pois tinha sido drasticamente reduzida depois de ter sido considerada a cabra expiatória da invasão do Iraque. Quando o governo finalmente se apercebeu da ameaça, criou equipas alfa, com os soldados das operações especiais que os americanos tanto gostam de acreditar que têm, e essas equipas terão feito tamanha carnificina que os registos das suas operações ficaram secretos por 140 anos. Todo o establishment americano optou por ignorar a epidemia, numa tentativa de autpo-preservação do status ou de, pelo menos, evitar o desmoronamento da sociedade capitalista. Isso seria tão mau como, sei lá, uma epidemia de zombies…
A decimação Russa
Na Rússia, quando os soldados se começaram a aperceber qual a sua missão e qual o inimigo a abater e se revoltaram, dizendo que queria ir para casa proteger as suas famílias dos zombies, o estado maior do exército aplicou a técnica de decimação. Ou seja, por causa de se terem revoltado, um em cada dez soldados seriam mortos e esse soldado que iria morrer era escolhido pelos companheiros e por eles executado. Que ficaram, a partir desse momento, tão comprometidos que nunca mais desobedeceram, ajudando assim a alcançar a vitória militar sobre os zombies, muito tempo depois.
A Guerra improvável: nuclear
Guerra, nuclear, entre o Paquistão e, surpreendentemente, o Irão, e não a Índia. Milhões de refugiados e zombes entram pelo Irão dentro, sem que o Paquistão se interesse em trabalhar em conjunto com o governo iraniano para parar a invasão. Desesperados, os iranianos bombardeiam uma ponte na fronteira entre os dois países. O Paquistão retalia e, dada a ausência de uma máquina diplomática bem lubrificada entre os dois países, a escalada ao nuclear é rápida e inevitável.
O bater no fundo: A batalha de Yonkers
Yonkers foi o sítio em que o exército americano agrupou, para fazer face à horda de zombies. Foi a maior acumulação de erros militares de toda a história bélica da humanidade. Porque puseram s soldados no chão, quando podiam tê-los colocado nos telhados, onde os zombies nunca conseguiriam chegar. Porque estavam os soldados equipados com full-extras, tipo máscaras anti-gás e tudo, que só lhes dificultava a visão e o movimento ? E o equipamento vídeo electrónico que permitiu aos soldados ver toda a desgraça que se passou em directo, desmoralizando instantaneamente. E porque é que havia tantos tanques, aviões, helicópteros e tão poucas munições? Yonkers deveria ter sido a prova perante toda a humanidade que ainda se controlava a situação, que, por muito mal que a coisa tivesse corrido até então, agora que o todo poderoso exército americano tinha levado a a situação a sério, tudo se resolveria. Não foi, antes pelo contrário. Foi uma derrota estrondosa em que a humanidade se apercebeu que, mesmo que não tivessem sido cometidos os erros que foram, não há vitória possível contra uma horda de 2 ou 3 milhões de zombies sem medo, sem consciência, que só param quando lhes destroem o cérebro. E como dizia um dos soldados: “Bolas pá. Passamos a vida toda a apontar para o centro de gravidade e de repente passam a querer tiros certeiros numa cabeça que se está sempre a mexer. Devem pensar que é fácil, com uma armadura que não nos deixa mexer e uma máscara anti-gás que não nos deixa ver.”
A salvação vinda da África do Sul: o plano Redeker.
A África do sul tinha sempre teve a sensação que, devido à sua instabilidade rácica interna, a qualquer momento a sua sociedade poderia implodir. Nessa perspectiva, o governo branco tinha um plano que permitiria a sua sobrevivência quando isso inevitavelmente acontecesse. Esse plano previa quem deveria ser salvo e como, tendo em conta factores de QI, saúde, profissão, valências, fertilidade, e por aí fora. A raça não era uma questão, uma vez que o plano foi feito para os brancos, mas a partir do momento em que o governo da África do sul, já negro, decidiu usar o plano para tentar salvar o país dos zombies, a raça continuou a não ser uma questão na selecção. O plano dizia, abreviadamente: Nem todos podem ser salvos. Querer salvar todos só gasta os recursos existentes e é impossível. Deve ser criada uma zona de segurança, não infectada, a partir de onde a humanidade possa reagrupar. Ou seja, partir de uma posição de fraqueza, depois de bater no fundo, começar a crescer. E, ao mesmo tentar, não deixar que o resto dos humanos não contaminados estejam demasiad o perto para tentarem entrar na zona segura, mas qute também não estejam demasiado longo para que possam continuar a atrair os zombies para os lugares considerados mais convenientes. A ideia seria a humanidade Tornar-se ela a nova epidemia. Tipo: o mundo é vosso, mas nós vamos reconquistá-lo. Criar zonas de iscos humanos, com populações saudáveis que sirvam de isco aos zombies, que ao perseguirem-nas, deixavam a zona de segurança em paz.
O Big Brother
A casa dos famosos tipo big brother, em que apenas os ricos podiam entrar e de onde, de dentro da protecção que a casa lhes garantia, poderiam ver o mundo a acabar, provavelmente entre gargalhadas e em directo para toda a gente ver, na televisão. Como sempre acontece com os ricos quando exageram na sua omnipotência, correu mal. A casa tinha sido pensada até ao último pormenor para resistir aos zombies, mas quem veio não foram os zombies, mas sim pessoas normais que, depois de ver a casa na televisão, correram a invadi-la à procura de protecção. Acabaram, como é lógico, todos mortos e a casa a arder. Em directo.
O cemitério dos barcos
Alang, na India, sempre foi o maior centro de desmantelamento mundial de navios. Grandes navios. A ideia era fazer os navios em fim de vida navegarem até lá para depois os encalhar a umas dezenas de metros da costa. Aí encalhados, esperavam que fosse a sua vez de serem desmantelados, sendo que esse desmantelamento eram feito manualmente, por centenas de operários que todos os dia iam em dezenas de botes desde a praia até aos navios, para os desmontarem gradualmente, peça por peça. Cada navio demorava assim meses e meses a ser desmontado, ficando sob a forma de carcaça esburacada a flutuar até ao seu derradeiro fim. Quando os zombies atacaram, a população dirigiu-se para o mar com o objectivo de, a nado ou nos botes, alcançarem os grandes navios onde estariam a salvas, podendo mesmo até sair dali caso alguns dos navios ainda funcionassem. Tipo Titanic, mas em sentido contrário. Tal como no Titanic, os botes também não chegavam para todos, o que efz com que a humanidade, no seu bom e no seu mau, demonstrasse naquela situação a sua verdadeira natureza. Se por um lado houve montes de pescadores e possuidores de barcos que depois de deixar as suas famílias em segurança voltavam à praia para fazerem todas as mais viagens que conseguissem para salvar mais pessoas, houve também aqueles que aproveitaram a posse dos barcos para lucrar, ou exigindo dinheiro, ou só admitindo mulheres jovens, ou só brancos, ou só mestiços, e por aí fora, ficando os rejeitados sem outra alternativa que não fosse nadar. O que também era complicado porque muitos dos nadadores estavam já contaminados e morriam debaixo de água, ressuscitando como zombies aquáticos. Que depois, literalmente, puxavam os tornozelos dos outros nadadores, infectando-os, afogando-os, para estes depois reanimarem num ciclo vicioso infindável. E a maior prova que a humanidade é incontornável aconteceu quando o dono de um dos botes (estamos na Índia, convém relembrar) disse que não admitia Intocáveis no barco dele. E, os intocáveis que estavam na fila, resignadamente, abandonaram-na e entregaram-se à morte. E ao resto…
O síndroma de Recusa Assintomático
Foi uma resposta natural do organismo humano à tragédia que se abateu sobre a humanidade com a invasão dos Zombies. Confrontadas com as mortes, as ressurreições infectadas, o fim da sua família, dos seus conhecidos, dos seus empregos, das suas cidades, enfim, de todo os seu modo de vida, as pessoas por e simplesmente desistiam iam para a cama e não acordavam no dia seguinte. Para combater esta doença, para fazer as pessoas acreditarem que alguma coisa estava a ser feita pelo governo, pelo exército, pelas outras pessoas para combater esta calamidade, um realizador de cinema resolveu começar a fazer filmes que inspirassem alguma esperança no coração das pessoas. Após ter pedido apoio ao governo e este ter sido recusado, começou a fazer documentários manuais e artesanais pelo país fora, sendo que o primeiro foi os últimos dias de um colégio interno em que os trezentos alunos que lá moravam resolveram combater até ao fim e conseguiram aguentar mais de dez mil zombies durante mais de quatro meses. O êxito deste filme foi tal que rapidamente outros se seguiram, sempre de situações de resistência heróica por parte da humanidade e de vitória conseguida e esperança renovada. E este efeito de esperança renovada deu os seus frutos, pois que cada filme que saía, mais pessoas iam vê-los e a taxa de SRA começou a diminuir, primeiro caiu dez por cento, depois vinte e por aí fora. O governo finalmente percebeu o potencial desta cura para a depressão e o realizador continuou o seu trabalho, passando dos documentários heróicos mas verdadeiros para a propaganda quase goebbeliana, tipo a documentar as novas armas anti-zombie que os iam derreter a todos (aos zombies) mas que na realidade eram projectos que já estavam cancelados na altura do filme. Mas o que foi facto é que a taxa do síndroma continuou a cair até que, como doença, passou a inexistente. O que constitui um grande contributo para a vitória final, na guerra…

Enfim… Muitas mais histórias valeria a pena referir, mas não faz grande sentido estar a reescrever o livro em parágrafos mais curtos, até porque, perante a qualidade dos textos, não há lugar nenhum para as minhas piadinhas habituais e para eu tirar conclusões muito profundas. Porque neste livro está lá tudo, muito mas muito mais do que eu conseguiria acrescentar. O livro é brutal…

23.4.11

27 - os mágicos



Lev Grossman
Começa bem, com um adolescente sobredotado chamado Quentin, super sorumbático, alto e magro, mas com os ombros descaídos, como se se estivesse sempre a abraçar para se proteger de um qualquer golpe vindo dos céus e que, logicamente, atingiria primeira as pessoas mais altas. Quentin tem como amigos outros dois adolescentes sobredotados, um rapaz e uma rapariga. Como em qualquer outro triângulo, também neste as arestas estavam todas ligadas de alguma forma, com Quentin apaixonado por Júlia, que por sua vez namorava com James, Mesmo entre os sobredotados, o panorama das emoções é surpreendentemente previsível. Quentin divide a sua vida entre dois mundos. O real, onde se move embaraçado sentido-se um figurante de segunda linha e um outro, mágico, tirado de uma série de livros que leu na infância, um mundo chamado Fillory mas que é chapadinho (ao ponto do plágio, digo eu) de Narnia. Estes livros contam a história de cinco crianças inglesas que se refugiam no campo para fugir da primeira guerra mundial, onde está o seu pai. Dirão os puristas que logo aqui há diferenças consideráveis, visto que em Narnia são apenas quatro crianças inglesas que se refugiam no campo para fugir da Segunda guerra mundial, onde está o seu pai. E, enquanto a Narnia se acedia por um roupeiro, a Fillory é por um relógio, daqueles tipo Big Ben, mas em miniatura...Super diferente. Percebe-se no entanto facilmente o encanto que Fillory suscita em Quentin. Em Fillory, existe um eclipse todos os dias ao meio dia (que é quando os eclipses se vêem melhor) e as estações, principalmente a Primavera, podem durar mais de cem anos. Em Fillory, mares de um verde pálido acabam em praias pequenas feitas de conchas partidas e as árvores secas não têm vergonha de se recortar contra o céu, arranhando-o Em Fillory, as coisas contam de uma maneira que não acontece no mundo real, e consegue sentir-se as emoções adequadas ao que quer que seja que nos está a acontecer. A felicidade é uma condição concreta a alcançável e vem quando é chamada. Melhor ainda, nunca sequer te chega a deixar. Fillory é brutal. Mas chega de Fillory. Detesto sítios felizes.

Quentin tem dezassete anos e está em vias de entrar para a faculdade, Princeton, mais concretamente, mas um dia desorienta-se e dá por si em Brakebills, a Faculdade dos Mágicos, onde depois de Ter sido examinado (e este exame é muito fixe, porque os examinandos tem que descrever um sítio que não conhecem e que não existe numa língua inventada por eles naquele momento, que no entanto tem que ser suficientemente madura para lhes permitir criar ali mesmo o sistema judicial do tal lugar inventado) poderão seguir uma carreira de mágicos. Quentin, a quem a sua vida quotidiana parecia um papel secundária de um filme de má qualidade, perante a oferta de uma vida como mágico, fez o que qualquer um de nós faria: aceitou. Brakebills não é Hogwarths, embora as semelhanças sejam mais que muitas, não tão plagiantes, desta vez.. Digamos que Brakebills está para Hogwarths como a Faculdade está para o liceu. Em Brakebills fuma-se, bebe-se, segrega-se os outros, anda-se à pancada e faz-se sexo, nem sempre de uma forma heterossexual. Quentin lá se integra e de alguma forma perde o entusiasmo e a inocência com que aceitou a vida de mágico provavelmente, digo eu, porque emparelhou com Elliot, o Oscar Wilde lá da zona e também porque todas as noites se alcoolizava com alguma intensidade. Ainda não falei de Alice, uma espécie de Hermione (lá estou eu), mas, como direi... papável... Várias coisas interessantes acontecem em Brakebills, e esta á a parte mais fixe do livro. Um dia, durante uma aula interminável, um ser de outro mundo toma conta da aula e prolonga-a por mais de dois dias, fazendo que toda a gente desmaie de caimbras quando finalmente se vai embora, depois de comer a única estudante que o tentou parar. Outro dia, todos os alunos finalistas tiveram que subir para o telhado e despir-se, deixando que o sol do fim da tarde lhes brilhasse na pele. Para, logo a seguir, serem transformados em gansos e voarem até ao pólo sul, onde existe uma filial de Brakebills onde eles iriam receber a parte mais difícil da sua educação enquanto mágicos. Ou o facto de, numa tentativa de prolongar a Primavera e o Verão, os responsáveis do colégio terem baralhado o calendário de tal maneira que, em Brakebills, o tempo andar sempre dois ou três meses atrasado. Ou o exame final, em que cada aluno pode escolher o tema, em que Alice decidiu aprisionar um fotão e Quentin decidiu ir à lua, quase o conseguindo. Ou, depois da festa de formação, quando o director levou os finalistas para o único sítio da escola onde os feitiços protectores não funcionavam e, depois de os embebedar, lhes meteu um demónio dentro das costas, para as guardar e depois lhes tatuou uma estrela em cima. Enfim... tudo o que é bom acaba e Quentin, Alice e os outros passam instantaneamente a viver em Manhatan, onde se dedicam ao mais completo hedonismo sem sentido, com excepção de Alice, que continua a estudar. Quentin, entretanto, cede aos encantos de um trio, com Janet e com o Oscar Wilde, sendo apanhado por Alice, com quem namorava, logo a seguir ao trissexo. Alice, tal como eu e mais alguém, não gostava de trios, e reagiu muito mal a esta traição, acabando depois por fazer sexo com um punk de crista verde que também era mágico. Como se pode ver, o período pós Brakebills foi uma autentica estupidez literária, por isso o autor resolveu fugir para a frente e, depois de terem descoberto um botão mágico, eis que vão todos para Fillory, que afinal existe. E é aqui que começam os disparates. De repente, vindos do nada e sem sentido nenhum, aparecem coelhos gigantes e furões a tentar matá-los a todos, árvores com relógios, fontes e praças e edifícios esquisitos dos quais não percebi a descrição, o papel e a lógica, mais animais assassinos, centauros que pinam com cavalos, viagens de barco, um cavalo que satisfaz os desejos... E Quentin e Alice e os outros lá no meio, numa missão que não percebemos qual é mas que, em rigor da coerência, eles também não. Entre as várias vezes que fui adormecendo e acordando nesta parte (e poderá ser um bocadinho por isso que a coisa não resultou lá muito lógica para mim) fixei apenas o seguinte: o mau era Martin Chatwin, o mais velho dos cinco irmãos. A boa era Jane Chatwin, que tentava combater o irmão. O objectivo dos dois era ficar em Fillory. E, no que a mim me diz respeito, palavra que não percebo porquê.