1.12.11

30 - hunger games




Suzanne Collins

A necessidade de variar surgiu do facto de desde Agosto estar a ler o mesmo livro, mais volume menos volume. Convenhamos que quase seis meses a ler o que se passa nos Sete Reinos, com visitas ocasionais às Cidades Livres e andando atrás dos Dothrakis é, digamos assim, cansativo… Mais a muralha, e o para lá dela, e as tricas Borgianas de toda aquela gente, e a fixação pelas maçãs, e pelo “florescimento” das raparigas, e a expressão break the fast… Precisava mesmo de desenjoar. Até mesmo os clássicos cansam. É pelo menos esta a minha experiência da leitura da Bíblia e da Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Da Verbo, claro. Vai daí, vi uma referência de uma triologia juvenil chamada The Hunger Games e que parecia estar bem cotada.
Trata-se do monólogo interior de uma rapariga chamada Katniss que vive no Distrito 12, o último do “país” que outrora se chamou Estados Unidos da América. Não sabemos como foi que este colapsou, mas o facto é que os 50 estados passaram a 12 distritos e que esses 12 distritos fizeram aquilo que os estados nunca fizeram. Revoltaram-se contra a capital, que se chama “Capitol” e, talvez por serem poucos, perderam. Daí resultou uma ordem social inteiramente nova, que tinha pelo menos a vantagem de ser ordenada. Tipo: o Distrito 1 faz têxteis, o Distrito 2 não sei o quê, do 3 até ao 10 também não me lembro, o Distrito 11 trata da agricultura e o Distrito 12 da mineração de carvão. Tinha também diversos inconvenientes, geralmente comuns a todas as democracias demasiado musculadas, dos quais se destacavam dois mais importantes. O primeiro inconveniente era que quanto maior o número do Distrito menos comida este tinha, pelo que a partir do 3 e do 4 já andava tudo com fome. O segundo inconveniente era muito mais do que isso. Chamava-se Os Jogos da Fome, e é deles que o livro trata.
Os jogos da Fome são uma mistura de Big Brother, Survival e Highlander, sendo que tudo é televisionado, é uma luta pela sobrevivência e no fim there can be only one. Cada distrito, numa expiação eterna da sua rebeldia, tem que fornecer duas crianças, um rapaz e uma rapariga entre os 12 e os 16 anos para os jogos. A partir dos 12 anos, todas as crianças passam a fazer parte do sorteio, tendo um papelzinho com o seu nome por cada ano que passam dos 12. A não ser que tenham fome, ou que as suas famílias tenham fome. Se for este o caso, cada criança tem direito a comida extra para si e para os seus na razão directa do número de papéis extra que coloca no caldeirão. Katniss tinha para aí uns doze papéis, e isso porque tinha que sustentar a mãe e sustentar e proteger Primm, a sua irmã mais nova. Que atingiu 12 anos este ano, pelo que tinha um papelzinho no sorteio deste ano. Só um. Chegou. Foi escolhida e Katniss nem hesitou em voluntariar-se para proteger a irmã, situação que a tornou especial logo à partida. O outro sorteado foi Peeta, um rapaz que tinha sido simpático para Katniss no passado e que, mesmo sem querer, se tornou o marco na viragem que ela fez para conseguir fugir da miséria. Isto através de um processo de introspecção muito intenso que não vale a pena descrever aqui. É mesmo melhor ler.
E lá foram os dois, para os Jogos da Fome, onde tiveram que enfrentar mais outros dez e onde valia tudo até arrancar olhos. O livro aqui não perde tempo, é sempre a abrir e as mortes não esperam muitas páginas para irem acontecendo. Até porque é essa a ideia dos jogos, uma vez que as audiências não se podem aborrecer e, relembremos, tudo é visto em directo por toda a gente. Assim, praticamente ao ritmo de um por dia. Morria um tributo. Por dia não. Por noite, porque a maneira como eram anunciadas as mortes era com um tiro de canhão e com a projecção no céu nocturno da cara do morto. Bonito.
O fim é previsível. Katniss e o namorado iludem os Gamemakers, aproveitam-se do Truman Show e vencem o jogo, não sem que antes Katniss tivesse que enfrentar a morte simbólica da irmã na morte real de Rue, a miúda de 12 anos que teve o azar de ser escolhida no draft e a quem Katniss instintivamente se aliou. Para vencer o jogo Katniss usou uma estratégia Brig Brotheriana e envolveu-se sentimentalmente com Peeta, de maneira a suscitar a empatia da audiência e dos patrocinadores, situação algo ambígua e de difícil gestão porque para Peeta esse envolvimento seria, aparentemente, real. O que me parece que vai criar problemas sentimentais nos próximos dois livros, porque embora eu me tenha esquecido de o referir, Katniss tinha um “melhor amigo” no Distrito, que se chamava Gale e que aposto que não terá gostado lá muito do que viu.
Este livro não perde tempo e vai directo ao assunto, o que é sem dúvida uma qualidade, dado que o transforma numa coisa bastante genuína. O que mostra é o que vale, e isso é sempre uma qualidade. Nem empastela o que é bom nem esconde o que é mau. E a prova disso é que tem apenas dois capítulos e é sempre a abrir. E isso é bom.