25.4.12

31 - abraham lincoln vampire hunter

Seth Grahame Smith
E eis-me novamente a cair vítima da praga que o Marco me rogou e que era qualquer coisa como, tu nunca deixarás de ler apenas literatura fantástica. Confesso que me começo a sentir preocupado, porque não sei já há quanto tempo não leio nada de, chamemos-lhe assim, sério, ou seja, um romance sentimental, um romance histórico, uma colectânea de poesia, um conjunto de ensaios, um livro político, e neste momento, estivesse eu no sametime e estaria a ir buscar o boneco amarelinho que, literalmente, rebola a rir. Como se, neste momento da minha vida, eu tivesse e mínimo de paciência e vontade para andar à procura do que outras pessoas acham que é importante e conveniente . Numa altura da vida em que se acha que já se tem legitimidade para que esta consista num infindável rol de momentos, na pior das hipóteses, muito agradáveis, é-me completamente inaceitável (e a qualquer pessoa da minha idade que saiba escrever) reger-me pelos padrões estético-culturais de terceiros. Se ainda fosse de segundos, ou seja, de amigos ou conhecidos cujas opiniões e gostos eu goste e respeite, ainda vá que não vá. Agora de desconhecidos… Nem pensar. Vai daí, continuo a guiar-me pelo meu nariz e pelo meu comodismo e hedonismo, ou seja, esqueçam lá isso de estar sempre a prender e a acrescentar cultura ao cérebro e toca a pensar, pelo menos um bocadinho, no prazer instantâneo. Além do mais, não estou muito preocupado com esta minha fase, porque ao menos ainda me dá para ler e escrever. Podia limitar-me a ver televisão…Vai daí, Abraham Lincoln, o caçador de vampiros... Porquê? Tenho algum interesse especial no Abraham Lincoln ? Nem por isso. E nos vampiros ? Também já não. Confesso que o Lestat ainda me interessou, mas a partir daí mais nenhum me chamou a atenção. Com O Lestat já dizia, enquanto estava a ser entrevistado, não há nada para descobrir e eles (os vampiros) andam todos a fingir. Então porquê ? Sei lá, mas lá comecei. E então comecei pela infância de Abraham, vivida no meio de uma pobreza tal que nem livros tinha, nem luz para os não ler à noite. Tinha dos irmãos, um pai algo ausente e uma mãe doente, que um dia morreu, vindo ele a descobrir bastante mais tarde que foi morta por um vampiro. No dia em que descobriu isso, jurou vingança e luta até à morte, e matou o seu primeiro vampiro, a golpes do machado com que vivia em comunhão total desde que era pequenino. Um dia conheceu um vampiro chamado Henry que lhe disse algumas coisas interessantes, depois de lhe ter dado uma traulitada na cabeça e de o ter prendido num quarto de uma casa bastante interessante, na qual se entrava por um daqueles poços antigos, com manivela, um telhadinho e um balde na ponta de uma corda. E disse-lhe então o seguinte:
Que os vampiros eram como os homens em muitos aspectos e que, consequentemente, não eram todos iguais. Não que houvesse vampiros bons e vampiros maus. Não funcionava de uma maneira assim tão bipolar. Mercê das suas próprias características, e olhando pelo prisma dos homens, não havia nem podia haver vampiros bons. Da mesma forma que será difícil que as vacas ou os porcos ou as galinhas, ou qualquer animal de que nós nos alimentemos digam que há humanos bons. Tipo, se são bons, porque é que me querem comer ? Não havia, portanto, vampiros bons, embora houvesse muitos vampiros que eram mesmo maus. Havia era também alguns vampiros que, face à sua experiência de vida, ou se calhar face à sua experiência de morte, aprendiam a valorizar a vida como algo merecedor de respeito a nível geral, sendo que a vida inteligente, dotada de sentimentos mereceria esse mesmo respeito a nível particular. Sendo os vampiros incapazes de morrer, corrompiam-se inevitavelmente em termos morais ao viver uma vida cheia de poder e isenta de limites. Dizia Henry a Abraham:
Depois de seres transformado, ficas mais forte, mais rápido, mais inteligente que todas as pessoas à tua volta. Tens sucesso em tudo  o que te propões fazer e descobres que consegues bater em todos os homens de que não gostas e que algum dia te trataram mal e que as mulheres adoram pinar contigo, E descobres ainda, tipo bónus, que lhes podes beber o sangue depois de lhes fazer isso tudo. Descobres a maneira de praticar cinco dos sete pecados capitais todos de uma vez, e raciocinas que, se nenhum Deus te impede de fazer isso, é porque ou não tem mal nenhum, ou não há Deus nenhum. E continuas, durante todo o primeiro século a fazer isso. Comer, beber, pinar, matar... Mas tudo o que é bom cansa, e o facto de não Ter limites desvaloriza os prazeres, por isso no segundo século viras-te para o intelecto, para as artes, para a ciência, para a literatura, para as viagens... E consegues aguentar-te mais um século assim, a desfrutar do prazer intelectual, e começas a pensar que aquela raça humana é mesmo capaz de produzir coisas belíssimas, e que se calhar não servem apenas para comer, beber e foder, isto pela ordem inversa, obviamente, não somos selvagens... E começas a virar-te para a filosofia. Por um lado pensas que já estás farto disto, que já não tens mais nada que te entusiasme. Por outro lado, começas a apreciar cada vez mais aquela raça que, além de se parecer tanto contigo, consegue fazer tanto em tão pouco tempo de vida. E começas a achar que se calhar eles é que são a raça superior, pois limitados como estão pela morte, não tem tempo para se corromper. E vai daí, deixas de comê-los e passa a protegê-los e descobres aqueles que dentro deles são os mais fortes e mais inteligentes e revelas-te... Percebeste ?

Abraham percebeu e a partir desse dia, passou a matar todos os vampiros que Henry lhe dizia, tornado-se assim num caçador de vampiros profissional, com um casaco comprido preto cheio de truques dentro, tipo Inspector Gadget. Paralelamente Abraham não descurou a sua carreira política e, mais pormenor menos pormenor, chegou a presidente dos Estados Unidos. E mal lá chegou, estourou-lhe nas mãos a Secessão dos Estados do Sul. E esta é a parte mais fixe do livro. O sul era o paraíso dos vampiros, na América. E porquê ? Porque era o sítio onde lhes era mais fácil de se alimentarem . E porquê ? Porque era o único sítio onde se podia fazer desaparecer o número de pessoas que se quisessem sem levantar questões.. E porquê ? Por causa da escravatura... Em termos d emundo ocidental, os vampiros estiveram instalados durante centenas de anos na Europa, tendo sido de lá expulsos depois da Revolução Francesa, em que o povo passou a ser quem mais ordenava e em que deixou de se encarar como uma inevitabilidade alguém comer os nossos camponeses todos. Ao ser conferida a todos os cidadãos uma individualidade distinta, deixou de ser possível à vampiragem comer o que queria impunemente e, para além disso, passou a haver uma perseguição específica aos vampiros, tendo sido estes o principal alimento das Guilhotinas de Robespierre. Vai daí que estes fugiram todos para a América, onde passaram a ser os maiores apoiantes da escravatura e os principais instigadores da secessão dos Estados do Sul, que iria levar logo a seguir à Guerra Civil Americana. Apesar da luta encarniçada e desesperada dos vampiros, Abraham venceu a Guerra Civil e erradicou a escravatura, fazendo com que, entre muitas outras consequências, os vampiros fugissem dos agora Estados Unidos, novamente para a Europa, onde o início de alguns totalitarismos racistas ofereciam bons prenúncios quanto à possibilidade de vir a haver novamente comida com abundância. Mas isso é já outra história. Abraham não teve muito tempo para saborear a sua vitória. Primeiro mataram-lhe o filho mais velho e depois, como toda a gente sabe, John Wilkes Booth, um vampiro actor, matou-o em pleno teatro. No fim, Abraham, que durante toda a sua vida tinha proibido a Henry que lhes ressuscitasse os vários filhos, não pode fazer nada quando Henry o ressuscitou a ele, dizendo que há pessoas que são demasiado interessantes para morrer...