7.7.14

61 - a floresta dos espíritos












Jean Christophe Grangé.
Uma juíza sente na pele que a vida não tem a mesma opinião dos juízes que estes têm de si próprios. Jeanne tinha trinta e cinco anos e não tinha marido, filhos, pais vivos, namorados interessados, sobrinhos, família, animais de estimação, amor... Tinha sexo ocasional quando se libertava das suas paranóias interiores e aceitava que nem tudo na vida é como queremos. Mas não tinha amor, nem grandes amizades, nem grandes afectos, apesar de ser uma juíza, de ser uma eleita, melhor que os outros, paradigma da independência e da superioridade humana, primus inter pares, et pluribus unum,  dura telex cet lex, et cetra, e algumas expressões gregas mais. Mas, e continuando em grego, hellas, o raio da vida (há quem lhe chame puta), não era sensível à especialidade de Jeanne e continuava a martelá-la com aqueles problemas que só deviam acontecer aos inferiores, e Jeanne via-se grega para gerir isso. A custo, saiu da depressão crónica que lhe tinha custado dois meses numa casa de repouso, e lá se ia aguentando mais ou menos; à custa de uns calmantes e uns gestos com o dedo médio da mão direita. Não era canhota... Jeanne tinha no entanto uma pulsão... complicada, derivada de um trauma... complicado, e que se traduzia na sua apetência para desvendar crimes... complicados... E porque as coisas não podiam correr sempre mal, e nem tudo na vida podem ser azares, eis que começam a aparecer crimes... complicados, em Paris. Vou abster-me de pormenores, que são tantos que chegaram a incomodar-me. Basta dizer que os crimes envolviam desmembramento e canibalismo. Jeanne, já naturalmente atenta a este tipo de crimes, mas ficou quando as escutas que ela tinha mandado colocar no consultório do psiquiatra do namorado (e que revelaram que este apenas a queria para aquilo que as mulheres não querem ser queridas, hellas, outra vez raisparta os homens, só pensam em sexo os cabrões) revelaram que este sabia algo sobre os ditos crimes. Mais concretamente, havia um espanhol velhinho que tinha um filho que tinha dentro dele uma espécie de alter ego demoníaco, tipo mr. hyde, que era provavelmente quem cometia os crimes. Jeanne, depois de o juiz amigo dela que tinha ficado com o caso ter morrido às mãos do assassino e depois do psiquiatra do namorado que só a queria para pinar ter desaparecido, resolveu também ela desaparecer e ala para a América do Sul. Chega à Nicarágua e, graças a isso, temos uma lição da revolução nicaraguense e da consequente repressão militar para evitar o comunismo. Ok. História é sempre bem vinda, embora confesso que a da Nicarágua eu já conhecia, li o sorriso do jaguar, do Salman Rushdie, quando era novo, desculpem lá. Depois vai para a Argentina e, graças a isso, temos uma lição da revolução Argentina, e da consequente repressão militar para evitar o comunismo. Ok. História é sempre bem vinda, embora confesso que a da Argentina eu já conhecia, li a operação massacre, de Rodolfo Wash, quando era novo, desculpem lá. E depois vai para a Guatemala, onde não temos grande lição de história, o que é pena, pois da Guatemala, além de ser um dos países onde os Maias andaram (o livro diz isso, mas eu já sabia), eu não sei patavina. A certa altura, no meio destas viagens, encontra-se com o psiquiatra, que passa a acompanhá-la na viagem e na investigação e juntos, fogem ao cliché e não pinam um com o outro. É aqui que paro com a história, pois nunca se sabe se a vou esquecer ou não e este texto é para quando eu for velho e me esquecer de tudo, vir aqui e ler que este livro é muito fixe e que vale a pena ser lido. Sendo mais claro, permitam-me: Pedro, se estiveres a ler isto quando fores velhinho e te tiveres esquecido de tudo, PODES ler isto livro à vontade, porque vale a pena. Apenas para concluir, vale mesmo a pena. Já há muito tempo que o suspense não durava até ao último capítulo...

6.7.14

60 - the sessions













Pensando bem, esta não é uma maneira convencional de começar um texto. Mas o facto é que acho que acabei de encontrar uma das principais coisas que me agradam num filme. é quando as coisas fazem sentido, quando são inteligíveis e quando todas as personagens se portam de uma maneira adequada, sem parvoíces. Quando cada coisa que dizem faz sentido e quando cada coisa que dizem é dita às outras personagens, criando assim diálogos inteligentes. A cho que já não gosto de monólogos e acho que os diálogos são a coluna vertebral dos filmes. Um filme não tem tempo para ficarmos a pensar em monólogos intermináveis, que quando acabam a audiências já mudou ou, no caso dos filmes maus, já desapareceu... nos filmes o que conta é aquilo que podemos apreender rapidamente, e isso são algumas imagens e muitos diálogos. Neste filme, que está longe de me entusiasmar, tudo faz sentido, toda a gente faz a coisa certa e isso é agradável. Existe um homem que sofre de poliomielite, estando acamado e tendo que viver grande parte do tempo dentro de um pulmão artificial (tipo iron lung, dos radiohead). Podia ser amargo, mas é poeta, jornalista e quer fazer sexo. Confessa-se ao novo padre da paróquia, que o ouve com atenção, abraça-o quando ele precisa e diz-lhe com uma pontinha de resignação invejosa que sim, que deve tentar resolver as suas pulsões da forma que todos os homens acham que as suas pulsões devem ser resolvidas. Mark tem como assistente uma actora índia a fazer de conta que é chinesa, sendo que o cruzamento dessas duas maneiras de ser fazem com que cada palavra que diz seja a certa e cada gesto que faz seja o certo. Mas não, não foi a ela que Mark recorreu. A quem Mark recorreu foi a uma terapeuta sexual (Helen Hunt, gloriosa na sua nudez) que, também ela, dizendo e fazendo apenas as coisas certas, consegue que Mark ultrapasse a sua virgindade e se sinta erradamente mais homem do que já era, Porque como dizia Rod, o outro assistente que lhe salvou a vida no dia em que luz faltou e o pulmão de ferro parou, a penetração é largamente sobrevalorizada, mas absolutamente essencial para o equilíbrio masculino. há muitas maneiras de se chegar ao mesmo efeito (isto ainda á Rod a falar), mas para o homem, se não enfiar, então nada está bem. No hospital, Mark conhece Susan, que nem precisa de abrir a boca para dizer a coisa certa. Casa e morre cinco anos depois, consubstanciando assim uma das suas ânsias durante a vida, quando tinha vislumbres de uma tristeza futura. Descansou em paz...