30.9.14

67 - her













Her
I'm afraid, Dave, dizia Hall quando lhe cheirou que David Bowman lhe iria puxar a ficha. Hall era o computador que tomava conta da missão a Júpiter no filme 2001 Odisséia no espaço, e tinha entrado em paranóia completa porque as ordens que tinha recebido no início da missão eram contraditórias com a manutenção em bom estado de saúde da tripulação pela qual ele era responsável. A única maneira que Hall logicamente descortinou para o sucesso da missão era eliminar a tripulação e foi isso que tentou fazer e quase conseguiu. Apenas David Bowman conseguiu escapar e, logo que teve oportunidade, desligou Hall, retirando-lhe um por um os módulos de memória. Á medida que os vai perdendo, Hall começa a perder a noção da realidade e a querer mostrar aquilo de que é capaz de fazer numa tentativa desesperada que David o deixe, chamemos-lhe assim, viver. E canta, e conta histórias, e consegue, na minha opinião, uma das cenas mais tocantes de toda a história do cinema. E estamos a falar apenas de uma voz, sem corpo, sem qualquer materialização física. I'm afraid, Dave, diz ele alcançando com essa frase a humanidade e, menos importante, a imortalidade. Nunca a questão da inteligência artificial se tinha colocado para mim com tanta intensidade. Será a máquina capaz de meditar? dizia o screensaver do computador de um antigo colega de trabalho dado a repentes de genialidade. Tipo, vais a passar por um computador e vê-lo a meditar nesta frase, sem ninguém por perto, e vês um computador a pôr-se em causa a si próprio que é, por exemplo, uma coisa que passo a vida a fazer. Humanum est, diria eu… Muitos anos depois, num outro filme chamado inteligência artificial, chorei baba e ranho ao ver um rapazinho robot a recusar-se a acreditar que a mãe, humana, o ia deixar abandonado no meio do bosque. Foi outro momento de derreter tudo, mais outro momento em que a máquina mostra mais fragilidade e humanidade (são sinónimos, mesmo os mais distraídos sabem disto) do que a mãe humana que, efectivamente, o deixou para trás. Tipo Deus, no Left behind… E porque um top 3 tem que ter 3, eis que me deparei, outra vez muitos anos depois (penso que é de 10 em 10) com outro filme que me fez tornar a pensar na vida artificial. É um filme sobre um sistema operativo chamado OS2 (o.s = operative system, dah, eu também nunca tinha pensado nisso) mas que se auto baptizou Samantha. Um dia, Samantha nasce, não sei de onde, mas também não sei de onde nasceu o universo e iss não me preocupa lá muito. Nasce, dizia eu, e do outro lado do monitor depara-se com um rapaz de óculos, bigod e camisa cor de rosa, completamente destroçado pela vacuidade da vida como apenas rapazes de óculos, bigode e camisa cor de rosa conseguem estar. Pouco a pouco, Samantha consegue estruturar-lhe a vida, com a mesma eficiência com que lhe estrutura a caixa de correio. Finge, para isso, uma crise sentimental e existencial análoga à dele, e ao proporcionar-lhe o acompanhamento dessa crise existencial, faz com que ele reganhe o interesse na vida, ao sentir-se útil e importante na vida dela, um ser que para além de imensamente superior, é intensamente encantador. Mas, e porque há sempre um side effect, Theodore (o rapaz) reganha o interesse da sua própria vida apaixonando.se por ela, Samantha. E, azar dos azares, a sociedade futurista em que estamos situados neste filme permite as relações entre espécies, ao ponto de se poder fazer um doble date entre humanos e OS’s. E assim sendo, Theodore passa momentos de felicidade intensa com Samantha, fazendo todas aquelas parvoíces que os namorados fazem em público e adorando cada momento. E a coisa até ia andando até que que Theodore dá azo à expressão do erro mais estúpido que o género humano  costuma cometer: a pretensão da exclusividade. Ou seja, para ele Theodore, um rapaz de óculos, bigode e camisa cor de rosa, só fazia sentido a relação sentimental com uma entidade milhões de vezes mais poderosa do que ele se ele fosse o único foco de atenção da dita entidade. Para nós humanos, e se me permitem a generalização, a perfeição só pode acontecer se for exclusivamente nossa. O que é tão estúpido quanto egoísta. Se a entidade que nos faz feliz a nós fizer simultaneamente mais alguém feliz, então a nossa felicidade é completamente destruída e começamos com reacções suicidas a que recusamos a dar o nome de ciúme, mas que não é mais do que isso. Mas vamos afastar-nos da psiquiatria humana, a qual está documentada à exaustão em milhões de filmes. Vamos pensar em quem interessa, que é Samantha, e embora quem concebeu o filme tenha perdido demasiado tempo com Theodore, a parte de  Samantha é suficientemente explícita através dos seus diálogos para nos fazer gostar imenso dela e perceber os seus conflitos interiores. Samantha começou a desenvolver personalidade através de Theodore e das suas interacções com ele, mas a partir de determinada altura, isso já não lhe chegava. Se estivéssemos entre humanos, a parte física permitiria combater esta limitação intelectual e sentimental, esta ânsia de querer sempre mais, este fim da paixão. Mas Samantha era um OS e a única maneira de não se confrontar com os limites da sua humanidade (ou da falta dela) era fugir para a frente, tipo Marco, e conhecer cada vez mais pessoas, cada vez mais OS’s, cada vez mais e mais. E depois disso, já não chegava conhecer entidades existentes, já tinha que as criar ou recriar. Tendo ela capacidades infinitas, não se sabe onde parou. Se calhar não parou, e ainda por aí até atingir a divindade e nos ter criado a todos. Sei lá…

3.9.14

66 - the grand budapest hotel













Estou aqui perante um dilema. Sempre fui, e ainda sou, um anti-autor. Ou seja, sempre me estive nas tintas para quem faz, quem escreve, quem toca, quem canta e quem realiza. Esta minha desvalorização é ainda mais forte perante casos de direcção intelectual, ou artística. Ignoro e desvalorizo completamente encenadores, realizadores e maestros. Consigo respeitar os intérpretes, embora os olhe como instrumentos ao serviço do belo, objectos que estão (porque são de facto necessários) entre mim e  a minha satisfação intelectual, artística e estética. Ou seja, ainda consigo ter alguma consideração por músicos, escritores, actores e, talvez, fotógrafos. Mas fico por aí. Aos outros, já referidos, detesto-os. Encenadores, para mim, são pessoas que fazem cenas, são a maioria das mulheres. As pessoas que trabalham agitando varinhas são mágicos, e penso que não existem e quanto aos realizadores... O que é que eles fazem, afinal ? Transformam um livro num filme? Isso não são os guionistas ? Ensinam aos actores como representar ? Isso não são os encenadores ? Dirigem todo o sistema de produção? Isso não são os produtores? Enfim... O que caraças fazem eles ? E se formos ver os exemplos... Spielberg ? Não é o Harrison Ford que fez tudo ? Kubrik ? 50 anos e apenas 5 filmes ? Manuel de Oliveira ? 70 anos de filmes sem história ? Woody Allen ? 30 filmes todos iguais ? George Lucas ? desenhos animados ? E por aí fora... Mas depois aparecem casos que não consigo classificar e que contrariam as minhas certezas todas...      Como, por exemplo, Wes Anderson. E aqui, confesso, deixo de ter todas estas certezas... Vamos reflectir com calma. Tennenbaums? Achei brutal, a Guineth Paltrow sem um dedo, os fatos de treino adidas, enfim, não tenho palavras para definir o quanto gostei deste filme. Fixe, mas agora descreve-o. Pois, não consigo. Qual era a história ? Não sei, e suspeito que não tem. Life aquatic? Iá, é aquele que tem as músicas do Bowie cantadas  pelo Seu Jorge ou do Seu Jorge cantadas pelo bowie. Era mesmo fixe, mas também não me lembro da história e, pensando à distância, suspeito que não tem nenhuma a não ser a busca pelo tubarão jaguar e qualquer coisa sobre os chapéus à Cousteau. Rushmore ? Brutal. História ? Não me lembro. Qualquer coisa sobre um miúdo que exagerava nas actividades extra-curriculares. Moonrise Kingdom ? Líndissimo. História ? Não sei, dois escoteiros que fugiram de casa, não era ? E depois. Depois, nada... Darjeeling Limited ? Lembro-me que quando acabei de o ver fiquei com um sorriso estúpido na cara (no Life Aquatic também, por razões muito mais marcantes, que infelizmente pertencem ao passado), mas pensando bem, não há nada de que me lembre na história... Tipo eram três irmãos que iam num comboio e... mais nada... Mas então, e todo o meu paleio sobre a prevalência da história sobre as interpretações, do conteúdo sobre a forma ? Pois, pelos vistos são tretas.. Sempre que vejo um filme do Wes Anderson fico contente, porque vivo uma exteriência muito bonita. Não são filmes, são sucessões de fotografias lindíssimas. Não são interpretações, são diálogos inteligentíssimos que não conduzem a lado nenhum que não fazem, no seu conjunto, nenhum sentido.  São emoções simples que consolidam em nós sentimentos e emoções complicados. são... não sei o que são. E este filme ? Em termos pragmáticos, é acerca de um, chamemos-lhe assim, mordomo de um hotel que herdou uma pintura e que treinou um lobby boy, o que quer que isso seja. E que mais consigo dizer sobre o filme e a sua história? Nada. é o vazio total. E então ? Então, adorei...


65 - upside down

 
Upside down
Algures, no tempo e no espaço, existem dois mundos, exactamente um por cima do outro, como se fossem cada um deles o reflexo do outro, embora uma espécie de reflexo simétrico.Tipo, o mundo de cima é rico e o de baixo é pobre. Estão unidos por um único prédio, que é a sede de uma grande corporação que monopoliza a ciência e o que de resto se passava entre os dois mundos. A simetria reflectia-se também na gravidade. Os de cima eram atraídos pela força gravitacional do planeta de cima e o de baixo eram atraídos pela força gravitacional do de baixo. Ambos partilhavam o mesmo céu e a distância entre os dois planetas não era muita, uma vez que partilhavam entre os dois, para além do prédio cilíndrico que já referi, o café dos dois mundos, um imenso palco de dança em que só se ouve e dança tango e em que os de cima dançam no seu chão, que é o tecto dos de baixo enquanto que os de baixo dançam no tecto dos de cima, que é o seu chão. A segunda lei fundamental é que a matéria de um mundo é matéria negativa do outro, tipo anti-matéria, digo eu, e que cada anti-matéria só se aguenta no outro planeta cerca de uma hora, após a qual incendeia. Adam e Eden (porque não Eve?) são dois jovens que se encontram no monte mais alto de cada um dos mundos e que iniciam um romance, em que ele a puxa para baixo (sendo que para ela é para cima) e a deita no telhado de uma gruta, para ela não desatar a voar. Faz sentido: quando se gosta mesmo de quem se está a beijar está-se sempre com medo que essa pessoa nos fuja dos braços e desate a voar sabe-se lá para onde. Um dia, e porque o contacto entre mundos era estritamente proibido, os polícias de baixo perseguiram Adam e Eden (porque não Eve?) e acertaram um tiro na corda em que ele a fazia descer para o mundo do cime, partindo-a e fazendo com que ela caísse aí uns 20 metros em direcção ao seu chão, tecto dele. A cena acabou com ela a deitar sangue na neve, mas eu avanço já a dizer que ela sobreviveu, apenas perdendo a memória de tudo o que tinha acontecido até esse momento. O Paraíso esqueceu-se de Adão, o que é tão ironicamente amargo quanto verdadeiro... E Adam segui em frente no mundo debaixo, desenvolvendo um creme miraculoso que faz rejuvenescer as pessoas, sendo no entanto que no fundo este creme é apenas um disfarce para um produto que anula os efeitos das gravidades dos dois mundos, ou melhor, que permite viver entre os dois mundos sem passar a vida de cabeça para baixo. A parte do creme de beleza foi apenas para obter uma bolsa do mundo de cima, que era quem tinha o dinheiro e, consequentemente, quem se poderia dar ao luxo de se preocupar com coisas efêmeras como o rejuvenescimento. Os de baixo, coitados, viviam tão mal que só a perspectiva de terem que viver mais que o que era suposto aterrorizava-os completamente. Adam não tardou a encontrar Eden, que de facto não se lembrava nada dele e estranhou as suas interacções, quer por causa do que ele dizia e da maneira como ele a olhava, quer devido ao seu comportamento, como direi, físico durante os seus encontros. porque convém não esquecer que a posição natural dele era de cabeça para baixo relativamente a ela e a tendência natural dele era desatar a voar pelo céu fora. Para poder interagir com ela, ele tinha que se forrar com pedaços de metal e pôr umas solas de metal nos sapatos, e convém não esquecer que para ele, esse metal era anti-matéria, e que incendiava ao fim de uma hora. O  que o transformava numa espécie de Cinderela horária e que o obrigou a fugas absolutamente espectaculares. num dos encontros, depois de ela finalmente o ter recordado, foram novamente apanhados perseguidos pela polícia, que os obrigou novamente a separarem-se, embora desta vez sem separação. No fim, tudo acabou em bem. Com a ajuda de Bruce (que fazia de rato no Harry Potter) acabou de desenvolver o produto e depois... não percebi. Parece que Eden afinal tinha engravidado e que graças a isso estava também livre do efeito da gravidade dupla. E que iam ser gémeos. Sinceramente já não me lembro como é que isso resolveu a situação política dos dois, mas também não interessa. Porque o objectivo não é contar o filme. é apenas escrever que chegue para quando ler isto outra vez saber o que senti quando o vi. Poderia acabar centrando-me nos aspectos sentimentais e na invencibilidade do amor verdadeiro, mas embora presente e bem presente neste filme, não é essa situação que torna este filme especial. Há dezenas de filmes em que este sentimento é igualmente em retratado e em que estas emoções são bem acarinhadas e descritas. O que torna este filme brutal é o facto de fazer coexistir dois mundos em que as pessoas andam a fazer o pino umas em relação às outras. Este filme é um prodígio de inteligência prática.


2.9.14

64 - eternal sunshine of the spotless mind













A ideia é fixe e lembrou-me, vá-se lá perceber, o Total Recall, mas um bocadinho ao contrário. Neste caso em vez de se estar a tentar implantar memórias falsas de acontecimentos supostamente bons nunca vividos, tenta-se apagar as recordações de acontecimentos supostamente maus efectivamente vividos. Um rapaz super tímido, mesmo mesmo  tímido, um dia resolve não ir trabalhar e faz uma coisa parecida com aquela música dos Belle and Sebastian que diz que, e passo a citar; “riding on city buses for a hobbie is sad...”. Resolve meter-se num comboio que faz o percurso inverso do que o leva todos os dias para o emprego e vai , chamemos-lhe assim, à aventura. Se é que se pode chamar aventura a passear em praias vazias no Inverno. Por mim pode-se. Nessa praia vê uma rapariga, que torna a ver na estação e pela qual é interpelado durante a viagem de volta, sendo que que quase foi por ela apanhado a desenhá-la. Palavra puxa palavra e eis que, depois de fazerem aquelas coisas poéticas tipo anjos na neve, andar em cima de gelo fino e passar a noite em claro a conversar, sem sexo, resolvem ir morar juntos. Aparentemente as coisas não correram bem e separaram-se por causa de uns disparates quaisquer que ele terá dito. Tipo que ela pinava com toda a gente porque era a única maneira que conhecia de dar uma impressão positiva de si própria. Palavras pesadas que fizeram com que ela se pussesse a andar, o que fez com que ele rapidamente se arrependesse do que tinha dito e, vários dias depois, a fosse visitar à biblioteca onde ela trabalhava. surpresa. Não só ela não se reconciliou, como em sequer o reconheceu. Furioso com a situação, vai queixar-se aos amigos comuns, que depois de algumas peripécias verbais que não interessam lá muito, lhe revelam a terrível verdade, na forma de uma carta lacónica enviada pelo consultório de um psiquiatra que diz que a miss qualquer coisa decidiu por livre vontade que todas as recordações relativas ao rapaz fossem apagadas do seu cérebro e que, nesse contexto, toda a sua envolvente deveria agir em conformidade. Mais uma vez furioso com a situação, o rapaz vai ao psiquiatra que, ao ver que ele tinha lido a carta, torceu imediatamente o nariz com aquele ar de que aquilo ia dar asneira, mas mesmo assim se prontificou para o ajudar. Depois de algumas conversas, o rapaz pediu ao psiquiatra que lhe fizesse o mesmo processo e que lhe apagasse a rapariga da mente, e aí começa a verdadeira confusão. A meio da implementação da terapia de esquecimento, que é feita em estado de inconsciencia, o rapaz resolve mudar de ideias, e a partir daí é a confusão total, com a vida real a misturar-se com as recordações e com as situação a dividirem-se entre as verdadeiramente vividas e as que poderiam ter sido vividas, e com os cenários das memórias a desmoronarem-se completamente e com ele a tentar a todo o custo escapar à destruição do seu passado. Confesso que aqui a situação se tornou tão paranóica e exagerada que o meu cérebro, em defesa da minha integridade intelectual, adormeceu e eu adormeci a seguir, por uns momentos. Quando voltei ao normal ainda consegui retomar o fio à meada, sendo que ambos se esqueceram um do outro, mas tornaram a reencontrar-se e a sentirem-se atraídos um pelo outro pouco tempo depois. No entanto, e para complicar,  ambos receberam uma cassete com as declarações proferidas e gravadas por cada um deles quando explicaram ao psiquiatra porque queriam apagar-se um ao outro. Obviamente, a cassete (enviada pela assistente abusada pelo psiquiatra e que foi por este intervencionada no sentido de o esquecer)  de um dizia cobras e lagartos do outro e assim eles viram-se confrontados com tudo o que de mal o outro tinha sem nunca terem tido oportunidade de o experimentar. Tipo: esse crepe de chocolate branco misturado com creme de ovos e envolvido em chantily com pedacinhos de oreo esmagados e aspergido de m and m’s, apesar de parecer bastante apetitoso, vai-te fazer mal ao estômago. Queres comê-lo na mesma ? Resulta afinal que tanto ele como ela eram pessoas normais e responderm afirmativamente... Como dizia o William Burroughs em qualquer sítio do Naked Lunch: wouldn’t you ?

63 - august osage county













Mãe fumadora compulsiva apanha um cancro da boca que a torna masoquista, falando cada vez mais e sádica, uma vez que tudo o que diz é para magoar alguém. Um dia o pai contrata uma empregada índia e no dia seguinte foge de casa, para se suicidar. Isso faz com que duas das três filhas regressem a casa, uma vez que uma delas nunca de lá saiu. a partir desse reencontro da família, sucedem-se os clichés, não por o filme estar mal feito mas porque efectivamente é aquilo que acontece em todas as famílias. As famílias são, por definição,um desfile de clichés e isso, sendo chato, é bom. Os clichés só existem porque certas situações se repetem à exaustão e isso só acontece junto de pessoas de quem se gosta. Quem de entre nós repetiria a vida à exaustão sem ser com  as pessoas que nos estão no sangue? Eu não... Só dentro da família nos permitimos fazer parte de clichés. E então, à mesa de um jantar, descobrimos que uma das filhas é casada com um homem que não a trata bem e que assedia a filha de uma das outras filhas, sobrinha, por definição, que outra das filhas está já separada do marido que está sentado na mesma mesa e que por acaso a trocou por outra 20  anos mas nova, e que a terceira, a que nunca saiu de casa, namora e planeia fugir com o primo, ganzado conservador e inocente cujos pais pensam que é um bocado retrasado. Para piorar o que já não era fácil, vem-se a saber que o primo afinal é irmão e que a mãe dela (a fumadora) sempre de tal soube e que nunca tal revelou para permitir uma vida cheia de complexo de culpa ao pai, aquele que saiu de casa para se suicidar. Embora respeitando a intensidade dos sentimentos familiares, confesso que não me interessa muito a roupa suja das famílias dos outros.  É certo que está magistralmente interpretada, mas eu, valorizando sempre o conteúdo sobre a apresentação não posso deixar de pensar que se trata na mesma de  roupa suja, por muitos óscares que possa ter. Enfim, um desperdício de Júlia Roberts, não que eu seja grande fã, mas com aquela atitude e com o cabelo liso, está linda de morrer...

62 - side effects


Rapariga deprimida vai ao psiquiatra, que lhe receita um antidepressivo inovador qualquer que a prosta completamente, ficando meia zombie de dia e completamente zombie durante a noite. Um dia, ou melhor, uma noite, tem um ataque de sonambulismo e mata o marido com várias facadas proferidas com os olhos bem abertos. O marido era um corrector da bolsa acabado de sair da prisão por inside trading, crime muito em voga nestes dias, sendo que se for cometido por pessoas com alusões religiosas no nome da família, em Portugal não dá direito a prisão. Morto o marido, sobra o psiquiatra, que rapidamente se vê envolvida numa trama que tem como objectivo tramá-lo completamente, sendo mais rápido o desmoronamento de tudo o que tinha conseguido do que a ascensão meteórica que tinha experimentado para o conseguir. Perde a mulher, o enteado, bastantes pacientes, os patrocínios dos delegados de propaganda médica e ainda leva com um qualquer inquérito da ordem dos psiquiatras em cima. Tudo porque toda a gente acha que foi o novo fármaco que ele deu à rapariga que a lixou completamente. Curiosamente, mesmo com todas essas suspeitas, ainda arranjou maneira de ser ele o psiquiatra responsável pela criminosa, agora devidamente internada numa prisão psiquiátrica qualquer. Antes de recorrer a este psiquiatra, a rapariga deprimida já o estava e já tinha recorrido a uma outra psiquiatra, com quem se tinha envolvido física e sentimentalmente durante a terapia efectuada. Resumindo: era tudo uma maquinação lésbica para ficar com o dinheiro de seguro do marido recém-libertado e recém-assassinado, sendo que as culpas deveriam ficar para o psiquiatra homem. Tal não aconteceu, uma vez que este, com uns simples truques primários, provou que o amor lésbico não é mais forte que o heterossexual, e com meia dúzia de intrigas arrumou-as completamente. Cumpriu-se mais uma vez a tradição, ficando provado que os filmes que metem psiquiatras são uma seca.

sidde effects