19.10.14

68 - o voo das cegonhas












Jean Christophe Grangé
Um médico funda uma ONG para roubar corações pelo mundo fora, não sob o ponto de vista sentimental (eu estou-me a ver a capitalizar sentimentalmente a ONG que criei, atraindo para mim dezenas de intelectuais de esquerda femininas, bonitas, liberais, etc), mas do ponto de visto completamente físico, ou seja, abrindo o peito das vítimas com requintes de tortura inescrevíveis e arrancando o coração das vítimas, para depois os ir enfiar no peito de clientes europeus cardiacamente insuficientes e economicamente excedentes. Por outro lado, um suíço ex-colaborador de Bokassa na sua ditadura na República Centro Africana, onde era capataz das suas minas de diamantes, resolve estabelecer-se por conta própria, e ficar com os diamantes para si. Assim sendo, continua a minerar os diamantes e a contrabandeá-los fazendo uma espécie de aumento de natalidade mineral. Em vez de fazer vir a si as criancinhas nos bicos das cegonhas, situação que quase toda a gente cria uma ou duas vezes na vidas, amarra os diamantes minerados nas pernas das cegonhas e manda-os para onde eles interessam e dão dinheiro, ou seja, para a Europa. Estupidez, diz qualquer um de nós farto das fugas para a frente presentes nos livros e nas séries quando as coisas se complicam de tal maneira que, em vez de qualquer coisa com lógica, os escritores / argumentistas inventam uma cena mirabolante qualquer que tudo explica e tudo explicaria na mesma mesmo que nada explicasse. Tipo, foram os extraterrestres, querida. Não é o caso, aqui. Ao que parece, as cegonhas têm efectivamente padrões migratórios completamente rígidos. As suas migrações começam sempre no mesmo sítio e acabam sempre no mesmo sítio, tipo as viagens de férias das famílias de classe média. E além disso, as cegonhas voam mesmo muito e mesmo depressa, sendo que poderão atingir 10.000 kms numa viagem de fim de Verão. Não foi à toa que foram escolhidas por Deus para fazer a distribuição da natalidade ou, pelo menos, para ser o símbolo da distribuição da natalidade. Qual renas. Qual Pai Natal... Por fim, temos um miúdo penso que francês cujos pais e irmão foram mortos por Bokassa na RCA quando este tomou o poder. Foi adoptado por amigos da família e contratado, 30 anos depois pelo suíço para seguir as cegonhas e perceber porque é algumas delas não trouxeram os diamantes. Obviamente que o suíço não falou ao miúdo dos diamantes. Provavelmente tinha esperanças que ele não os descobrisse sozinho. Correu mal. Acontece que, como em qualquer bom livro, estes personagens principais estavam completamente enrolados uns nos outros. Tipo o suíço contratou o francês para ir atrás das cegonhas (já disse isto, eu sei), o médico meteu o coração do filho do suíço no peito do suíço enquanto procurava corações compatíveis para o seu próprio filho doente há mais de vinte anos, filho esse que era irmão do… miúdo francês, que acabou por ser filho do médico. Enfim… Podia dizer que acabou tudo bem, mas nos livros deste senhor nunca acaba tudo bem. E embora comecemos a detectar alguns padrões repetitivos nos seus livros (tais como o facto de o passado ser sempre muito mais importante que o presente, tal como a inevitável descrição / denúncia de uma qualquer ditadura sangrenta africana ou sul americanas, tal como o protagonista principal ser sempre um herói improvável cheio de disfuncionalidades e questões complicadas ou tal como o facto de os crimes serem muito muito horríveis), o facto é que os livros continuam a ser bons. E há sempre paisagens naturais virgens e algum tipo de descoberta natural. Desta vez houve pigmeus. Surpreendente.