Não é muito fácil. Porque já
estou destreinado e porque, se calhar, ando a ler livros a que se pode chamar
sem história bem definida. É como se um grupo de escritores todos com algumas
características comuns decidissem fazer um clube em que apenas se podem escrever
livros sem história. Ou em que a história apareça em segundo plano, atrás da
análise retrospetiva da vida e de, principalmente, da análise das angústias
instantâneas dos escritores.
Assim se repente lembro-me do Ian
McEwan, do Michel Houelebeq e do David Lodge. Embalados por uma carreira de
livros bem aceites, chegaram a um momento em que o que lhes interessa é descreverem-se
com maior ou menor grau de exposição, sendo as personagens em que eles encarnam
os fios condutores das respetivas vidas.
E se calhar o maior exemplo
destes três é mesmo o Ian McEwan e o maior exemplo destes é o livro Lições. É a
história da vida de uma pessoa que podia ser contada em 20 linhas e é contada
em 600 páginas, sendo que as diferenças entre as duas versões são apenas
estados de espírito do autor.
Numa aproximação pragmática,
diria que:
- · Roland era filho de um militar e passou parte da sua juventude na Líbia;
- · Quando regressou a Inglaterra foi para um colégio interno;
- · Onde teve lições de piano com uma professora que um dia o tocou intimamente;
- · Um dia, foi a casa da professora, que o seduziu sexualmente e continuou a fazê-lo durante bastante tempo. Roland ainda era menor mas, naturalmente, adorou o abuso. Quando percebeu que a professora queria casar com ele, fugiu algo contrariado.
- · Não foi para a faculdade. Colecionou experiências de vida. Numa delas criou uma relação com a Alemanha de Leste, a qual acabou com a vivência em direto da queda do muro.
- · Para ganhar dinheiro, dava aulas de ténis e escrevia frases sentimentalmente significativas para uma empresa de cartões.
- · Casou com Alissa, uma alemã de quem teve um filho chamado Lawrence.
- · A alemã abandonou-o (e ao filho) para se tornar uma escritora. O que fez com que se tornasse, na minha opinião, num ótimo pai.
- · Casou com Daphne que morreu de cancro. Expandiu a família juntado a Lawrence as duas filhas da mulher.
- · Os filhos multiplicaram-se e criou-se à sua volta uma família muito moderna.
- · Reencontrou Miriam (a professora de piano) e não lhe perdoou o abuso.
- · Reencontrou Alissa, entretanto transformada na maior escritora da Alemanha. E perdoou-lhe o abandono.
- · E foi isto.
É verdade que ao longo destas
etapas corre um rio de boa prosa que se transforma num lago de sentimentos.
Todas estas pessoas sentem e Roland consegue perceber isso, sendo, no entanto,
que a sua interiorização de todos estes sentimentos não deixa de ma parecer uma
maratona de algum egoísmo. Tipo parece que estas pessoas apenas existiram
(fosse na vida real do livro ou na cabeça do argumento do escritor) para justificar
as angústias interiores de Roland. O que me parece manifestamente pouco, porque
não deixa de ser apenas um indivíduo, e não muito interessante.
Por outro lado, se eu fosse um
escritor que quisesse escrever sobre a família e sobre as relações
interpessoais, tentaria fazê-lo menos em volta de um único umbigo e mais
aproveitando as individualidades de todas as outras pessoas à volta.
Não é um monólogo porque não é narrado
na primeira pessoa, mas é uma história na terceira pessoa em que tudo se passa
à volta da primeira. E isso não é muito honesto, porque se calhar, enquanto leitor,
preferia ver a história sob o ponto de vista dos outros personagens, quase
todos potencialmente mais interessantes que Roland. E o escritor não deixa que
isso aconteça e prende-me 600 páginas sempre ao mesmo tipo, inteligente, mas
aborrecido.
E eu chego ao fim do livro e não
sei que diga. Gostei porque a escrita é competente. Mas sempre que o abria
apetecia-me ver uma séria qualquer. Apenas a consciência que apenas a leitura é
cultura me fez seguir em frente. Não pretendo reler…Aliás, nem pretendia
escrever sobre o livro. Apenas o faço a ver se acordo o cérebro, pouco a pouco,
e volta à dinâmica do passado, agora que tempo é maior mas a vontade é menor…