8.3.13

39 - the cabinet of curiosities












Douglas Preston e Lincoln Child
Houve uma altura, talvez no fim do século dezanove ou no princípio do século vinte, em que os museus não tinham ainda atingido a plenitude do seu desenvolvimento, e que o conhecimento estava distribuído bastante democraticamente por muitas pessoas diferentes. Era a altura retratada no Carnivale e no Big Fish, em que havia mulheres com barba, anões pintados e gigantes desengonçados, halterofilistas carecas de bigode retorcido para cima e vestidos com peles de leopardo que lhes deixava invariavelmente um ombro à mostra, adivinhadoras do futuro cegas, bonecos que deitavam pela boca bilhetinhos com o que te ia acontecer no futuro e onde havia sempre, mas mesmo sempre ao fundo uma roda gigante com ar de que se ia desfazer a qualquer momento mas que nunca se desfazia. Era a altura em que toda a gente parecia uma fotografia da Diane Arbus, mas não era bem por aí que eu queria ir. Desviei-me porque ando cada vez mais atraído por esse universo, mas ainda não chegou a altura de escrever sobre ele. Mas mais ou menos nessa altura, dizia eu, os museus eram ainda pouco pujantes e os depositários do conhecimento não teórico eram os chamados Gabinetes de Curiosidades, que eram mini feiras populares, pertencentes geralmente a exploradores ou a cientistas, e que continham tudo e mais alguma coisa relacionada com a história natural. Tinha várias vantagens sobre os museus da actualidade, uma vez que havia vários gabinetes, sendo que cada um lutava por ser o mais original, ganhado com isso o público. Tinham também uma criatividade sem limites e um conceito de honestidade  algo relativo, o que permitia ao comum mortal ver coisas que hoje em dia são impossíveis, tais como ver o Bigfoot, o Missing Link, o Iéti, o monstro da lagoa negra, o homemssauro (cruzamento óbvio mas não necessariamente gay entre um homem e um dinossauro), várias sereias, dezenas de tigres dentro de sabre, pássaros dódós, vários parentes da Nessie, enfim, quase tudo o que toda a gente queria ver. Só faltavam os extraterrestres, mas ainda não tinham sido inventados pelo Steven Spielberg. Mas então em que é que estes gabinetes eram importantes para o livro ? Calma... Começando a falar do livro, temos então que um promotor imobiliário que quer fazer um arranha céus em Nova Iorque, desenterra um compartimento com vinte e seis cadáveres todos sentados com as costas apoiadas na parede, mãos atadas atrás das costas e umas cicatrizes junto do fundo destas... Mortos, obviamente. Rapidamente se chega à conclusão que o serviço foi da responsabilidade do primeiro assassino em série americano, e a partir daí, e sabendo nós como os americanos são loucos por serial killers, já não houve mais sossego para ninguém. Os personagens são Nora Kelly, velha conhecida minha da cidade sagrada, em que perseguia uma teoria maluca de ligaçoes entre os anasazi (índios) e os astecas, um jornalista chamado Smithback, cujo principal atributo é ter uma cowlick ( língua de vaca) no cabelo, um polícia irlandês algures no limbo entre a honestidade e a corrupção e um agente do FBI que confesso que me conseguiu surpreender... Lá chegaremos... Então depois de descobrirem os 26 cadáveres, descobrem que um deles era de um rapariga que escreveu um bilhete com o seu próprio sangue e o escondeu no forro do seu vestido muito pobre mas que tinha sido feito por ela a imitar o que já na altura se usava. E o que ela escreveu no bilhete foi o seu nome a sua morada para que a sua morte não fosse a continuação da sua vida, anónima e desprovida de importância. Não foi porque foi por se ter comovido com ela que Aloysius Pendergast se resolveu a investigar o assassínio. Entretanto, alguém começa a matar pessoas em Nova Iorque fazendo a mesma coisa que tinha sido feita aos 26 e que, para simplificar, podemos apenas dizer que lhes abriram as costas e lhes retiraram a "cauda equina"' . Abro aqui uma pequena janela interlúdico-técnica, apenas para dizer que a cauda equina é um nervo que, suficientemente ralado, pode ser bebido, com efeitos surpreendentes na saúde, pincipalmente no que diz respeito à longevidade. Lá chegaremos. Não vamos por o cavalo à frente dos bois, que para isso já chegam os talhos dasbgrandes superfícies. Rapidamente se cria uma dinâmica de investigação conjunta entre Nora, o polícia irlandês, o jornalista e Pendergast, sendo que este é o único personagem que dá alguma mais valia à história. É aquilo que eu gosto de chamar acrescentador de interesse, mas que para o comum mortal é apenas o burro que puxa a carroça. Mas falemos então mais um bocadinho de Pendergast. Não se percebe se é novo se é velho, se é alto se é baixo, se é gordo se é magro. Sabe-se apenas que tem o cabelo tão loiro que parece branco e os olhos tão azuis claros que também parecem brancos. Tem um Rolls Rouce antigo, onde é conduzido por um motorista misterioso chamado Proctor e vive no Dakota, que eu poderia dizer mentindo que é aquele edifício super carismático de que me lembro perfeitamente e que visitei demoradamente quando estive em Nova Iorque. Não me lembro, não vi e não visitei, mas valha-nos a Wikipédia como supressor instantâneo de omissões culturais significativas, parece que é o edifício onde morava e à porta do qual mataram o John Lennon. Pendergast, mestre do aforismo, do understatememt e, qualidade que eu tanto aprecio e que tanto não tenho) do dizer muitp com pouco, é o último descendente de uma família muito rica e muito antiga e de antigos mágicos. Tem um pormenor muito fixe que é uma necrópole privada na cave do palacete de família, onde são enterrados os Pendergasts todos, morram onde morrerem. Começa-se a perceber que o personagem tem mais piada que a história, o que me levou a pensar que se calhar faria sentido haver mais livros com ele. E há, porque os escritores americanos não andam a dormir, principalmente se são dois... Voltando à história, os nossos investigadores rapidamente percebem qual o móbil das mortes do século anterior e qual o motivo de as mortes do presente se terem dado da mesma maneira, relembrando, com remoção da cauda. É que o assassino era o mesmo, sendo que conseguiu prolongar a vida e viver duzentos anos graças aos sumos das caudas equinas. De surpresa em surpresa, com algum sono pelo meio, confesso, lá se vai descobrindo que o assassino imortal afinal também é um Pendergast, tipo tetravô do nosso. E quando Pendergast lhe invadiu o covil, descobre com alguma surpresa que o tetravô imortal está morto há mais de seis meses. Morto e embalsamado. Vai daí, afinal o assassino era outro. Ou melhor. O tetravô de Pendergast matou de facto os 26, para lhes tirar as caudas equinas e fazer com elas uma poção da imortalidade. A partir do momento em que começaram a haver no mercado químicos que permitiram substituir com sucesso as caudas equinas, o tetravô deixou de matar, porque no fundo ele não era intrinsecamente mau. Até que um dia, alguém descobriu o segredo e  torturou o tetravô para lhe sacar a fórmula mas o velhinho, que era super torcido, preferiu morrer. Vai daí o assassino moderno teve que fazer a poção da forma tradicional, e toca a remover mais caudas. Simplificando, o assassino era o promotor imobiliário, que afinal tinha feito o prédio ali de propósito porque sabia que era ali que tinha sido o laboratório antigo. Resta saber porque é que tudo isto aconteceu. Porque o tetaravô Pendergast tinha escolhido como missão destruir a Humanidade, tendo para isso inventando uns venenos lixados. No entanto, lá para meados dos anos 40, quando foram detonadas as primeiras bombas nucleares, deixou de se preocupar porque sabia que seria apenas uma questão de tempo até que a humanidade se auto-destruísse, auto-explodindo-se. Vai daí reformou-se. Lá como cá, a reforma deixou de ser um fenómenos consensual e previsível...