28.4.13

40 - prodigal son












Dean Koontz
Não restam muitas dúvidas que a agenda cultural de quase todo o mundo ocidental é regido por Hollywood. E se acrescentarmos um B, podemos contabilizar mais uns 1500 milhões de pessoas. Ou seja, o interesse das pessoas sobre qualquer tema é potenciado quando Hollywood faz um filme sobre esse tema, desencadeando depois desse interesse um fenómeno cultural que seria para mim interessante se não tivesse como principal origem a intenção de os estúdios fazerem dinheiro em merchandising. Não me chateia nada que as massas passem a usar t-shirts do Batman, mas confesso que me chateio um bocadinho quando as massas comecem a usar t-shirts do Batman. É uma daquelas contradições internas que não consigo resolver. Sei que as pessoas têm de respirar, mas chateia-me que respirem o meu ar e  perto de mim. Enfim, isto tudo para dizer que existe um personagem da literature que só mereceu aí uns 10 minutos de atenção dos estúdios e que por essa razão ainda se encontra em terreno relativamente pouco explorado, permitindo assim que se inventem coisas interessantes sobre si. Esta conversa sobre os estúdios não é totalmente gratuita, da minha parte. É que, ao querer conhecer um bocadinho melhor o autor, li o prefácio do livro (coisa que não costume fazer) e descobri que este livro tinha sido contratado por um estúdio para fazer uma série mas que o autor se desentendeu com eles e resolveu fazer o livro com a sua própria lógica. Passemos assim a ver se a lógica artística tem mais valor acrescentado do que a comercial. Uma pergunta assim tão complexa deveria ser difícil de responder. Mas é fácil. A resposta é: tem. Ora vejamos:
 Frankenstein (que foi interpretado por Robert de Niro naquela que foi a sua pior interpretação das muitas e todas más que fez) torna-se assim num manancial de idéias para quem as quiser explorar, até porque a maioria das pessoas ainda pensa que o Frankenstein é um monstro verde com parafusos a sairem pelas temporas, tipo uma espécie de cornos versão tecno-industrial. Não é. Frankenstein não era um monstro verde com parafusos nos cornos mas sim um cientista louco que construiu um ser com componentes retirados de ladrões e assassinos mortos, sendo que nem sempre respeitava as questõees de simetria estética, ou pelo menos não as respeitava escrupulosamente. Tipo, dava-se ao cuidado de pôr braços nos locais dos braços, mas não se preocupava muito em que os braços pertencessem ao mesmo cadaver. Tipo podia ser orangotango do lado direito e galinha do lado esquerdo... A escritora que criou Frankenstein chama-se Mary e o nome que ela escolheu para o Frankenstein foi Victor. Logo por aí se via que estava a começar mal. No livro original, lembro-me de poucas coisas, mas arrisco a dizer que me lembro das mais importantes. Se estivessemos a escrever um resumo, eu diria que Victor Frankenstein criou um ser que pretendia que fosse humano e ligou a ele o pára-raios do castelo, de maneira que mais tarde ou mais cedo um relâmpago acabou por lhe acertar e por o trazer à vida. Depois, terei adormecido, confesso, e só me lembro dde a criatura (o FrankenSon) fugir do pai (Victor) saltando de pedra em pedra no meio de um pântano tipo, pantanoso…
E é a partir daqui que este livro arranca. Victor, mercê do seu talento inquestionável enquanto cientista torna-se tipo o maior especialista no planeta em engenharia genetica e torna-se também praticamente imortal e podre de rico. E, durante 200 anos, continuous as suas pesquisas pelo que hoje, no presente, criou uma nova raça de homens e mulheres cujo principal objectivo é obedecer-lhe e com os quais pretende dominar o mundo, ou seja, substituir a Raça Velha pela Nova Raça. Obviamente que esta substituição não será completa, uma vez que lhe falta tempo para criar 7500 milhões de pessoas novas, mas também que interesse é que isso teria se é sabido que todo o planeta é controlado por umas 1000 pessoas ? Assim sabendo, Victor infiltra os seus filhos nas posições chave para que, quando chegar a hora, eles possam iniciar a revolta e tomar o controle. Tipo, números à parte, a traição dos clones contra os cavaleiros Jedi. Os filhos de Victor são diferentes, tanto fisica como psicologicamente. São superiores fisicamente porque são mais rápidos, mais fortes, mais bonitos, etc. Tem dois corações e diversos outros melhoramentos físicos, mas estão muito condicionados psicologicamente, porque estão impedidos de processar os seus sentimentos de forma que contrarie o pai, ou seja, sentem bastante (até porque têm dois corações) mas não podem canalizar todo esse sentimento de forma natural. O que, está bom de ver, lhes cria loops internos de dificil resolução, tipo o HAL no 2001 e, em ultimo caso, os leva à mais profunda paranoia, tipo o Padre que não consegue lidar com a presença simultânea de Deus e do Pai (Pai Victor e não Deus Pai), ou tipo Erika, mulher de Victor, que não consegue articular a beleza que encontra na arte com as coisas que Victor lhe faz e obriga a fazer (na cama, entre outros sítios) ou ainda o polícia que acha que os membros da Raça Velha devem ter uma qualquer glândula que segrega a felicidade e começa a dissecar pessoas para encontrar a dita glândula…
Obviamente que não foi apenas Victor que sobreviveu estes 200 anos. A sua criação também. Chama-se Deucalião e, cumprindo o cliché, tornou-se monge budista num mosteiro no Butão depois de ,previsivelmente, ter feito muita asneirinha… Deucalião tem aí uns dois metros e meio e metade da cara toda tatuada, para tapar as cicatrizes que Victor lhe fez quando ele fugiu. Também previsivelmente, começa a sua carreira num daqueles Freak Shows ou Feiras Populares tipo Carnivale, ou a do Big Fish em que, passo a citar-me do texto anterior, “…em que havia mulheres com barba, anões pintados e gigantes desengonçados, halterofilistas carecas de bigode retorcido para cima e vestidos com peles de leopardo que lhes deixava invariavelmente um ombro à mostra, adivinhadoras do futuro cegas, bonecos que deitavam pela boca bilhetinhos com o que te ia acontecer no futuro e onde havia sempre, mas mesmo sempre ao fundo uma roda gigante com ar de que se ia desfazer a qualquer momento mas que nunca se desfazia. Era a altura em que toda a gente parecia uma fotografia da Diane Arbus”. Mas não era bem por aí que eu queria ir. Desviei-me porque ando cada vez mais atraído por esse universo, mas ainda não chegou a altura de escrever sobre ele. Do que se passou entre a feira Popular e omosteiro Tibetano, não sabemos, mas eis que Deucalião é avisado por um amigo que Victor está vivo e de boa saúde em Nova Orleães, por isso corre para lá onde se instala num cinema praticamente abandonado na companhia de um outro refugiado de um freak show qualquer. A partir daqui o livro torna-se num policial banal, em que a única coisa digna de registo é que o assassino em série da praxe, desta vez, tinha começado a carreira a matar pessoas feias, mas como eram muitas, desistiu e passou a matar pessoas bonitas, para lhes retirar as partes mais bonitas e com elas fazer o ser perfeito. Isto lembra-me alguma coisa. Alguéem que, com várias partes quer fazer um ser perfeito ? Como é que se chamava esse livro ? Frankenstein…