10.4.15

78 - in time












Espero, por norma, pouco de um filme em que o título é um cliché e o actor principal é outro. Espero, por norma, errado. Quase nada do que espero acontece e quase sempre isso é mau. Desta vez não foi. Vivemos no futuro e até aos 25 anos não temos que nos preocupar com nada. É dinheiro em caixa. Paramos de envelhecer e dão-nos um relógio que fica indelevelmente marcado no braço esquerdo e que passa a marcar o tempo que tens para viver. e carregam-no com 365 dias.  A partir daí, a vida de cada um passa a ser aquilo que cada um pode pagar para viver. Tipo telemóvel. Pode-se carregar ao minuto e a facturação é detalhada. As instituições de caridade distribuem tempo aos necessidades e as pessoas podem ceder tempo umas às outras, bastando para isso encostar os braços, se forem os braços esquerdos. Neste mundo os ricos vivem para sempre e os pobres arriscam-se a ver morrer os entes queridos porque lhes encostaram o braço esquerdo umas décimas de segundo tarde demais. As filhas, as mulheres e as mães são todas iguais e as pessoas guardam nos bancos pens com dias lá guardados. Dizem os rumores que o homem mais rico do mundo tem um milhão de anos na conta a prazo, trancafiada num banco, e parece que isso é mesmo verdade. A inflação é do caraças e de um dia para o outro podes ver a tua vida reduzida a zero, e isto literalmente. O herói cliché e a heroína oriental decidem enfrentar o sistema assaltando os bancos e dando ao desbarato o tempo que neles estava guardado. A ideia é que, quando toda a gente tiver todo o tempo do mundo, o mundo deixe de ter problemas. É a vantagem do tempo sobre o dinheiro. O tempo não desvaloriza nem diminui quando toda a gente tem muito. O tempo dura sempre o mesmo, não é sujeito a desvalorizações, nem a inflações e nem a depreciações. O tempo é universal. O tempo é absoluto. O Einstein não tinha razão...

4.4.15

77 - snowpiercer













Para combater o efeito de estufa, os líderes da humanidade resolveram lançar na atmosfera um químico que funcionou melhor do que se esperava e provocou uma glaciação em todo o planeta. Isto provocou a extinção em massa da espécie humana, que compreensivamente congelou, ficando toda ela à espera de alguém que consiga vir provar que a criogenia não é apenas uma tanga para impingir a milionários velhos. Safaram-se apenas, e porque se safam sempre alguns, ou não haveria filme, os tripulantes de um comboio construído por um milionário americano excêntrico, não que a sua excentricidade e nacionalidade tenham sido assumidas no filme, mas torna-se claro para os espectadores que geralmente quando estes dois adjectivos andam juntos, então a presunção do terceiro é quase sempre acertada. O comboio, ironicamente, era aquilo que o planeta já não poderia ser, ou seja, era um ecossistema competente, que obtinha a sua energia não sei de onde, e andava à volta do mundo, numa linha de cerca de 40.000 km de extensão que entretanto se tinha construído. Demorava um ano a completar a volta, mas aqui devo ter percebido mal, porque isso daria uma velocidade média do comboio de cerca de 4 km/h, o que me parece pouquinho, face às imagens vistas. O comboio era um ecossistema competente quer em termos naturais, quer em termos sociais. Era hierarquizado socialmente de trás para a frente, ou seja, os pobres nas últimas carruagens, fechados quase sem luz e os ricos nas primeiras, com todas as mordomias e mais algumas. Do fim para o princípio do comboio experienciam-se cinematograficamente o oito e o oitenta. Se nas últimas carruagens estão todos pobres, rotos, com fome, etc, tipo o matrix fora do Matrix, mais para a frente a profusão de cores e cenários é tanta que parece que passamos para a fábrica de chocolate do Charlie. Começamos por uma espécie de catacumbas em que a ferrugem escorre (obviamente) ferrugenta pelas paredes, passamos para uma cozinha de aço cinzento onde se preparam de uma forma moderníssima as barras protéicas que todos comem, seguimos para uma estufa de criação de ervas aromáticas (esta das ervas aromáticas foi o que me pareceu a mim, não é propriamente oficial), e depois para um talho vacas inteiras e galinhas sem pescoço penduradas pelos pés, obviamente mortas, e depois para um aquário lindíssimo, em que existem montes de peixes mas não  torna muito claro onde estes vivem, e depois uma sala de aula com uma professora loira e bués de grávida,  depois uma discoteca em que toda a gente abana fortemente, e depois mais um ou dois ambientes que já me esqueci, para por fim chegar à locomotiva, onde o líder rebelde, Curtis, se encontra com o construtor e dono do comboio, o tal americano excêntrico, que se chamava Wol... qualquer coisa. Do diálogo entre os dois, resulta que não tinham bem a mesma visão do mundo, e essa diferença agudiza-se quando o Wolqqcoisa resolve revelar a Curtis que o seu maior aliado era o chefe dos pobres, ídolo de curtis, entretanto morto na secção central do comboio, já em plena rebelião. Porque, explica Wolqqcoisa a Curtis, o equilíbrio social só pode ser atingido quando há diálogo constante e afinidades importantes entre os extremos sociais, neste caso e a saber, a locomotiva e a última carruagem. Tudo acaba mal quando o chinês de quem eu ainda não tinha falado estoura com uma das portas exteriores e provoca o descarrilamento do comboio, que após bater em tudo e mais alguma coisa, desintegra-se quase completamente. Combalidos, saiam de dentro do comboio Curtis, o chinês e a filha, que são mirados de uma forma muito profunda por um urso polar. E assim acaba o filme. E eu gostei bastante, não propriamente do fim, mas de tudo o que aconteceu até lá.