29.12.08

20 - O afinador de pianos


David Mason
Era uma vez um afinador de pianos que morava em Londres. Super talentoso mas pouco sociável, talvez mesmo um pouco infantil. Foi o que me pareceu a avaliar pela mulher, loira autoritária e por pequenos pormenores da sua rotina, tipo enganar-se no caminho para casa, ou atrasar-se duas horas para chegar a casa e depois mentir à mulher dando desculpas pueris diferentes das coisas pueris que esteve a fazer. Claramente um artesão dotado mas meio aparvalhado, vindo mesmo a calhar o facto de ser inglês. Um dia, recebe uma carta do exército a convocá-lo para uma reunião com um coronel que rápida e eficazmente lhe diz o que a Rainha dele pretende. Na Birmânia existe um Major Médico com umas ideias muito sui generis sobre como efectuar a colonização, ideias que por muito que horrorizem o exército, apresentam resultados muito bons, conseguindo que o império vá crescendo sem ter que se disparar muitos tiros. Um exemplo do tipo de pessoa que o Major Médico era: um dia comandava um pelotão de reconhecimento pelo meio da selva birmanesa quando este começou a ser atacado. Impassível, enquanto os seus soldados se atiravam para o chão, o Major Médico tirou uma espécie de flauta do bolso e começou a tocar umas notas esquisitíssimas. Os tiros continuaram a cair à sua volta e ele continuou a tocar até que os tiros diminuíram e pararam. Desta vez contra o silêncio, o médico continuou a tocar até que se começou a ouvir, vindo do meio das árvores, uma flauta a tocar as mesmas notas…. A expedição prosseguiu até ao seu destino sem mais problemas e ainda com música extra… O Major tinha pedido ao exército um piano de cauda Erard para o forte que tinha construído no meio das montanhas birmanesas e esse piano, de entrega difícil e contrariada, se calhar por essa razão, desafinara. Sendo o major um inglês de gema (apesar de por esta altura já andar vestido com sais birmanesas), recusava-se obviamente a tocar num piano desafinado. Vai daí, tratou de exigir um afinador de Erards, sendo essa a razão pela qual Edgar (o afinador) acabou por ter aquela conversa com o coronel e lhe disse, com um simples aceno de cabeça, que sim, que ia até à Birmânia afinar o Erard. E foi, numa daquelas viagens que toda a gente sabe que mudam a vida de quem a faz. Não imaginava ele é que ia mudar a sua definição. De vida. Vou parar com a descrição da história. A ideia destes textos não é fazer resumos, mas sim falar sobre ideias interessantes que os livros apresentam, ou então sobre sentimentos que suscitam ou então sobre qualquer coisa que valha a pena que não seja contar o fim de história em meia dúzia de palavras. Mas é aí que se me depara um problema. Não me lembro de grandes sentimentos nem pensamentos nem nada do género que o livro me tenha provocado. Lá ao longe, ainda ví as névoas de umas paisagens distantse no meio do montanhas inacessíveis que escondiam algo de diferente e de único, mas essas imagens rapidamente desapareceram e, para dizer a verdade, penso que as tirei retirado de um outro livro, chamado Horizonte Perdido, de um escritor chamado James Hilton que nele descreveu Shangri-La, o paraíso perdido… Assim sendo, acabei por não perceber como é que um livro com uma ideia tão boa e original acabou por me deixar meio morno e sem grandes emoções. Após pensar um bocadinho, penso que sei porquê. Porque é um livro super inglês, metódico, conciso, rigoroso, competente e bom. Apenas não acende grandes chamas em nós. Talvez na lareira,,, Não. Até porque o livro é bom e, curiosamente, tem aquilo a que se chama boa imprensa. Toda a gente diz que gostou muito. E gostei. Muito é que não.

9.12.08

19 - A sombra do vento



Carlos Ruiz Zafon.
Comecei a ler porque andava desde há algum tempo à procura de um romance de grande fôlego, em que se contasse verdadeiramente uma história com princípio meio e fim. Em que houvessem personagens, emoções, acontecimentos marcantes, em que se passassem coisas. Paralelamente, várias pessoas me disseram que era um bom livro, por isso, na busca de uma espécie de reencontro com os romances de 500 páginas, lá fui eu, e comecei a ler um best-sellers. Não que isso me chateie por aí além... Muitos dos livros que eu mais gostei de ler, note-se que não disse os melhores livros que li, eram best-sellers. Gostei de ler os livros de Michael Crichton, do Dan Brown,do Harry Potter, do James Bond, do Saramago, do Sherlock Holmes, e por aí fora... Vai daí pensei que estaria a começar um livro que teria, ao mesmo tempo a leveza e o interesse de um best-seller e qualquer coisa mais, cujo cheiro eu sentia de uma forma muito ténue. Até porque o meu nariz costuma acertar nestas coisas... E logo ao princípio constatei isso... O livro começa com um pai e um filho viúvos que ainda mantém o hábito de falar com a mãe morta no meio da sua tristeza profunda. Mas é uma tristeza com uma coisa boa, é uma tristeza compartilhada, vivida a dois pelos dois. Ambos sabem o que perderam, do quanto gostam de quem perderam e que só se têm um ao outro, por isso não vale a pena negarem-se nem complicarem. Um dia, o pai leva o filho a um sítio chamado o cemitério dos livros perdidos, onde cada pessoa pode, entre um labirinto tipo biblioteca secreta do nome da rosa, escolher o livro que definirá o resto da sua vida. Para mim já não era preciso mais nada. O livro estava ganho logo ali nas primeiras páginas, o que me provocou logo uma desilusão resignada. Quando uma boa ideia desse calibre aparece logo nas primeiras páginas, é certinho que o resto do livro é sempre a descer. E foi o caso. Mas, mesmo assim, foi bom na mesma...Continuando e sistematizando, podia-se dizer que é um livro sobre um livro, sobre o livro da vida do filho de um livreiro, uma vez que tudo o que se passa na história (até o titulo desta) é motivado por um livro, mas não estaríamos a ser muito factuais. Porque o que move o personagem principal (Daniel) não é o livro em si, mas sim o escritor que o escreveu. Será então um livro sobre um escritor (Julian)? Também não, porque o escritor desapareceu, e embora a sua busca por parte de Daniel seja de facto o que o livro conta, no fundo o que nos é principalmente contado é a história das pessoas que viviam à sua volta. E é ao lermos sobre a vida de todas estas pessoas que nos é dado um vislumbre da Espanha pré guerra civil, do estado repressivo, das confusões ideológicas, da inconstância do poder. Por isso, por serem apenas vislumbres, também não podemos chamar a este livro um romance de época nem muito menos um romance histórico. Assim sendo, a única coisa que podemos dizer é que é um livro sobre pessoas e, pensando bem, essa é a definição de romance por definição (a repetição de definição foi intencional; não me enrolei no raciocínio). E que pessoas? De Daniel, rapaz sem nenhuma característica especial que se limita a perseguir o livro da sua vida, do pai de Daniel, livreiro simultaneamente amargurado com a vida mas doce com o filho e com o mundo, de Clara, rapariga cega que adora ler (que lhe leiam), que foi a primeira fixação de Daniel e cujo desempenho sexual perturbador ainda hoje consigo vislumbrar, do tio de Clara, que só falava com palavras esdrúxulas, do inspector da polícia de cujo nome no quiero acordar-me J , de Fermin, homeless recuperado, viril como um miúra mas saco de pancada da polícia, cujos diálogos, erudição e sensatez sentimental valem só por si o livro, de Miquel de Moliner, discípulo precoce de Freud, analista implacável e infalível do género humano (ele, não Freud), poço de sentimentos puros e meu personagem preferido do livro e de Julian, o escritor. Julian Carax, que escrevia livros que não se conseguia parar de ler mas que ninguém comprava, que toda a gente à sua volta adorava e não conseguia deixar de adorar, mas que nunca gostou de si próprio. Que todas as mulheres (a mãe, Nuria, Penélope) amavam mas que nenhuma conseguiu ser feliz com o seu amor. E que, acima de tudo, escreveu um livro que provocou uma confusão tão grande no romance que nem mesmo leitores esclarecidos como eu, conseguem depois dizer coisa com coisa quando o tentam resumir. Duas certezas. Uma: gostei muito. Duas: não é uma comédia...

10.10.08

18 - Gog



Giovanni Papini

Sempre achei que o mais dificil quando se escreve um livro á ter a idéia. Acho a idéia tão importante que acho que deveria passar a chamar-lhe "A Idéia". Não é dificil escrever bem. Quer dizer, se calhar até é dificil, mas há muita gente que sabe escrever bem, e a maioria das pessoas que não sabe é por pura preguiça. Não é transcendente saber alinhavar umas palavras pela ordem correcta ao longo de uma frase, até porque não está escrito em lado nenhum que escrever bem implica complicar muito. Pelo contrário. Eu, adepto confesso da frase curta, acho que na simplicidade está muito do mérito de uma boa escrita. De qualquer forma, e no que diz respeito aos livros, a boa escrita pouco ou nada interessa. Os franceses do século 19 escreviam super bem e não saiu um livro de jeito de toda a sua produção (pelo menos do Balzac, Baudelaire,Proust, Flaubert, Stendhal e Victor Hugo). O Kafka era competente a escrever mas o que é facto é que não se aproveita nenhum dos seus livros, que são, convenhamos, uma seca. Bem, poderão não ser todos, se calhar é pretensão minha generalizar, uma vez que não os li a todos. Só li O Processo, O Covil, A metamorfose, A grande Muralha da China e O castelo. O Milan Kundera escreve bem e até conseguimos de facto retirar algum prazer da sua leitura, mas todos os seus livros são iguais e hoje, alguns anos depois de os ter lido, confundo-os todos e não me lembro de nenhum. Convém mais uma vez não generalizar, uma vez que só li A brincadeira, A insustentável leveza do ser, O livro dos amores risíveis, A valsa do adeus, A vida não é aqui e A imortalidade. O António Lobo Antunes escreve tão bem que parece, quando lemos os seus livros, que estamos a ouvir uma voz tão doce que pertence a uma pessoa que expira rebuçados, mas depois de os ler, ou ainda a meio da leitura, já não nos lembramos de nada do que está para trás. Mas não quero generalizar: só li o Auto dos danados, A ordem natural das coisas, os Cus de Judas, o Tratado das paixões da alma, A morte de Carlos Gardel, a Memória de elefante. Enfim. poderia continuar com os russos, mas esquece lá isso. Ou então com os americanos, aquele tridente adormecedor completamente desprovido de idéias interessantes, constituido por William Faulkner, John Steinbeck e Ernest Hemingway, curiosamente, todos prémio Nobel, penso eu. É chato e culturalmente incorrecto dizer mal do Hemingway, principalmente porque não li os livros dele todos. Só li o Paris é uma festa, o Velho e o mar, Por quem os sinos dobram, As neves do kilimanjaro, O adeus às armas e o Jardim do Éden . Mas não. A idéia é falar deste livro espantoso, cheio de boas idéais chamado Gog. Então é assim. Gog é um milionário aborrecido que tem um iman interno que atrai excêntricos e, quando esse iman não funciona, então é ele próprio que se propõe fazer as coisas mais incríveis. Enumeremos então o que o livro nos conta, de memória e sem ordem.

Para começar, há todo o conjunto de conversas com Henry Ford, Ghandi, Einstein, Freud, H G Wells, George Bernard Shaw, Edison, o Conde de Saint Germain, Lénine e alguns outros. Não serão propriamente conversas, uma vez que Gog, super inteligente, se limita a deixá-los discorrer sobre o que lhes vai na alma e no corpo. Não são também entrevistas, porque Gog não se dá ao trabalho de lhes fazer perguntas. Ele sabe que com os génios, a única maneira de interagir é deixá-los falar livremente, não correndo o risco, nem de se lhes fazer perguntas idiotas e insuficientes sobre a matéria que eles dominam, nem fazendo perguntas idiotas sobre coisas que a eles não lhes interessam nada e que, consequentemente, nada de importante teriam a dizer. E depois há a própria atitude de Gog perante os génios. Ele espera genuinamente que os outros tenham alguma coisa para lhe ensinar, mas mantém uma atitude cáptica e desapaixonada, prevendo à priori que nada de muito novo vai sair dali. Ás vezes engana-se, mas às vezes não.

Outra vez, fala-nos da colecção de sábios que fez, sábios multi disciplinares, multi rácicos e multi, chamemos-lhe assim, religiosos. Obviamente que constata que, ao dar-lhes uns minutos de atenção para que façam as suas habilidades, eles não são nem muito hábeis nem lá muito honestos. Constata aquilo que eu lhe poderia ter dito. Os sábios, feiticeiros, sacerdotes e etc das tribos são apenas aqueles que inventaram um pretexto para não terem, nem que caçar, nem arrumar a caverna.

Noutra ocasião, descreve-nos a ilha em que estava estipulado pela lei que a população nunca poderia ultrapassar os 770 habitantes, número que ultrapassado poria em causa o equilíbrio ecológico. Assim sendo, todos os anos num determinado dia, se fazia o balanço e se matava os que excediam esse número, sendo os excedentes escolhidos por critérios que não se poderia considerar isentos de lógica.

Entre os inúmeros excêntricos (ou não) que recebia, podia-se contar o historiador que escrevia a história do presente para o passado, pois só analisando as consequências que os actos tiveram no presente se poderia julgar correctamente da sua pertinência quando foram cometidos no passado.

Ou o médium que convocava, não os mortos, por considerar que estes não poderiam trazer nada de novo ao presente, mas os vivos, pois esses é que poderiam contribuir com algo de útil. Um aparte. Este médium fez Gog tomar consciência da sua profunda solidão, dado que não havia ninguém entre os vivos que ele quisesse invocar. Assim, mesmo sendo o médium competente e aparentemente honesto, não tinha nenhuma serventia para Gog, que o mandou imediatamente embora e, penso eu, que sem dinheiro para o táxi.

Ou o representante da FOM, friends of mankind, que advogava que o aumento contínuo da humanidade na terra é contrário à própria humanidade. A solução passaria por, segundo a FOM,eliminar aqueles que não faziam falta, tais como os inúteis, os criminosos e os velhos, que já viveram bastante.

Voltando às colecções, Gog coleccionava anões, gigantes, sósias, gémeos, todos "objectos" que tinham uma qualquer qualidade intrínseca que os tornasse diferentes e originais no meio da humanidade. Embora seja evidente que faria muito mais sentido uma colecção de super modelas, não consigo deixar de achar piada a uma colecção de gigantes, metidos numa qualquer sala de pé direito triplo ou mesmo quádruplo. E, na sala seguinte, de pé direito zer virgula cinco, a colecção de anões, que não consigo imaginar de outra maneira que não resmungões. Mas isto sou eu... Gos não fazia juízos de valor...

E depois o capítulo das convicções pessoais que Gog tinha. Que as pessoas deveriam todas usar máscaras, e que havia quatro razões para isto. A razão higiénica (confesso que não apanhei bem esta), a razão estética (esta será evidente), a razão moral e a razão educativa. Não vou comentar...

Ou então a convicção de que um dos piores vícios da humanidade era comer em sociedade. Sendo a alimentação um instinto perfeitamente individual (são raros os exemplos em que espécies se alimentam em conjunto, tirando talvez os leões e as hienas, que são dois maus exemplos) Gog sugeria que todas as casa tivessem micro compartimentos onde as pessoas poderiam tomar as refeições educadamente sozinhas. Tipo casas de banho. E embora os mais sensíveis se possam repugnar com esta comparação, ela é perfeitamente lógica. Ambas as acções envolvem troca de alimentos entre o interior e o exterior do corpo humano, mudando apenas a extremidade em que a acção se passa e o sentido em que a acção decorre. Não quero ser fundamentalista, mas pelo menos no que diz respeito à fruta, assino por baixo tudo o que ele diz...

Enfim, dado serem inúmeros es exemplos de idéias, chamemos-lhe assim, originais, fico-me por aqui. Agora digo e repito. Num único livro, Giovanni Papini desfila mais idéias (e mais originais) que todos os prémios Nobel juntos.

2.9.08

17 - Fever pitch


Nick Hornby.
Finalmente, um livro para homens. Eh pá; isto começou mal. Outra maneira de começar mal seria: ena… um livro de futebol. Até que enfim. Bem… Isto está a começar mesmo mal, mas os opostos atraem-se, toda a gente sabe disso menos eu, que em tal não acredito… Adiante. Este livro tem 3 características que, quer vistas apenas superficialmente, quer analisadas com profundidade excessiva, me atraem irremediavelmente.

A primeira é que é um livro que fala sobre futebol sob o ponto de vista sentimental, que é, a par do campo, o sítio onde o futebol se joga. Á flor da relva e junto ao peito. Sem intelectualizações idiotas sobre coisas que são sentidas e apreendidas directamente com os sentidos. Mas conferindo ao assunto a importância que ele realmente tem, pois o maior erro dos intelectuais das praças é acharem um futebol uma coisa primária, esquecendo-se que é de 3 cores primárias que todas as outras são feitas. É bom ter uma paixão. É bom sofrer incondicionalmente por algo que não é justificável de forma alguma. É bom sentir em conjunto com mais milhares de pessoas as mesmas emoções no mesmo instante. Quão diferente isso é de Fátima? Ou de ouvir o hafsol num concerto dos Sigur Rós? É bom termos a certeza de que nunca estaremos sozinhos, que aos domingos à noite, de inverno, quando todas as famílias gozam juntos os últimos momentos do fim de semana, nós também não estaremos sozinhos, porque haverá sempre alguém que terá algo para nos dizer, alguém de gravata e bom aspecto que se dá ao trabalho de falar de um assunto que gostamos e que percebemos, alguém cujo nome será qualqer coisa como domingo desportivo. É bom saber que há coisas em que somos efectivamente inteligentes, em que somos mesmo mais inteligentes que todos os outros que mandam em nós no resto do tempo, porque o futebol é como o sexo, quanto mais baixo estás na hierarquia material mais e melhor o fazes. E melhor o comentas… O futebol poderia perfeitamente ser aproveitado como linguagem oficial dos povos, aquilo que o esperanto nunca foi e que o inglês também não quer ser. Os diplomatas seriam ex-internacionais das respectivas selecções, conjugando simultaneamente conhecimento técnico da matéria do qual são embaixadores e esperiência profissional. Nunca mais haveria um almoço político aborrecido, com um protocolo intragável. Os representantes de cada país já se conheceriam, já teriam jgado uns contra os outros, já saberiam quais as manhas de cada um. Seria também bastante mais justo, uma vez que são sempre os países mais pobres que têm os melhores jogadores. Alguém imagina numa negociação de dívidas externas qualquer ex-jogador americano ou suíço levar a melhor sobre o Zico ou sobre o Sócrates?

A segunda caracteristica é uma espécie de melancolia masculino-juvenil que ele consegue transmitir na maneira como escreve. Antes que prolifere o mal entendido, explico-me. Ao ler os pensamentos dele sobre o dia a dia, sobre a maneira como, sábado ou domingo depois de almoço, a chover, se punha a caminho para ir ver os jogos, recordo-me invariavelmente…de mim. E sinto saudades, porque as sensações de ser filho único, de ter como principal interlocutor a mim próprio, de passar tardes sozinhos no estádio, de preferir os jogos “pequenos”, em que tinha quase a certeza que o porto ia ganhar, de sentir medo dos gunas, de sofrer sozinho (nunca fui muito de exteriozar emoções), enfim, todas essas coisas que o livro descreve metodicamente, entram-me directamente no sangue, sem passar pelo cérebro. Há diferenças, evidentemente… Eu nunca virei as costas quando a minha equipa ia marcar um penalti. A minha cor é o azul, e nunca, nunca o vermelho. Por outro lado, também não me consigo lembrar dos resultados de uns anos para os outros. Por favor... eu tenho vida para além do jogo, mas sei o que este jogo pode representar para a vida.

A terceira é a parte técnica propriamente dita, que é aquela menos verbalizada e comentada. Faz-me muita confusão como é que se pode viver e discutir um assunto até à exaustão e não se falar das coisas que realmente ineressam, tais como a forma de passar, de chutar, de cabecear, de desmarcar e, também importante, de marcar. golos. Como é que se consegue falar tanto de futebol em Portugal e não se falar nestes aspectos fundamentais. Este livro deveria ser de leitura, análise e plágio obrigatório por todos os jornalistas desportivos que escrevem sobre futebol. Pergunta pertinente: o jornalismo desportivo é passível de curso superior? Gostei muito da parte em que se descreve o mais importante golo da carreira de um qualquer ponta de lança ineficaz em todo o resto da sua carreira. Por muito ineficaz que tenha sido, por muito mal que jogasse, por poucos golos que marcasse, conseguiu marcar a vida de um jovem (e se calhar de quantos mais) de tal forma que hoje a sua história é contada em livro. Reflectindo: quantos de nós já conseguiram marcar de forma tão expressiva a vida de tanta gente ? Quantos de nós estão ou estarão imortalizados em livro ? Eu, não sei bem porquê, confesso que não estou. É esta a magia do futebol, se entendermos como magia os fenómenos inexplicáveis que, de alguma forma, nos encantam. É esta a magia deste livro, que nos faz apreender tão facilmente todas as emoções relacionadas com este fenómeno. Mas não a todos... Só aos desportivamente esclarecidos.
Acabo com uma citação. A tradução é livre e é minha, mas reflecte tudo:
"Não quero morrer depois de um jogo. Parece-me excessivo, como se o futebol fosse o único contexto possível para a morte de um adepto. Não quero ser lembrado com um abanar de cabeça e um sorriso vago confirmatório de que esta seria efectivamente a maneira que eu teria escolhido de morrer. Deêm-me gravidade em vez de coerência barata".

13.6.08

16 - A morte melancólica do rapaz ostra


Tim Burton.
Era uma vez um palito que se apaixonou por uma fósfora. Tinham tudo em comum, digo eu. Eram os dois altos, magros, bonitos e sentiam um grande prazer em gostar de alguém. Tanto gostaram um do outro que a situação ficou, chamemos-lhe assim, fogosa. Tão fogosa que incendiaram. Os dois. Arderam num instante. Era uma vez uma rapariga esbugalhada. Esbugalhada? Sim, sempre a olhar esbugalhada para toda a gente. Olhava para o céu, olhava para o chão, e se tivesses sorte, olhava para ti até mais não. Era tão boa a esbugalhar que resolveu entrar num concurso que facilmente venceu. Mas nesse dia cansou-se, tirou os olhos fora e pô-los a descansar. Onde? Junto ao mar. Era uma vez uma rapariga que tinha muitos olhos. Quase dez. O seu maior medo era Ter de usar óculos, pelas razões evidentes. Era bonita, ela, mas tinha um senão. Quando começava a chorar, molhava até mais não. Era uma vez um rapaz chamado nódoa e era um super herói. Não voava. Não saltava. Apenas sujava. E por tanto sujar, bastante sofria. Por causa da conta da lavandaria. Era uma vez um casal que se casou junto ao mar e pouco depois, estavam a pinar. Nasceu-lhes um filho com cabeça de ostra. Que em todo o lado, estava sempre à mostra. Um dia o pai, para se sentir paradisíaco, usou-o como afrodisíaco. Comeu-lhe a cabeça, após hesitar. O resto do corpo, enterrou junto ao mar. Chorando jurou, nunca o esquecer, mas bastou a maré alta, para tudo varrer. Era uma vez uma rapariga, a rapariga vudu, que tinha alfinetes coloridos espetados "par-tout". Era muito carinhosa, estava sempre a amar, mas quanto mais amava, mais os alfinetes, se acabavam por enterrar. Era uma vez uma rapariga que tinha os cabelos fofos como penas, uma pele suave como flanela e um corpo branco como algodão. Transformou-se num edredão. Era uma vez um rapaz que era super tóxico. Respirava escapes, chaminés e afins. Um dia respirou ar puro e pararam-lhe os rins. Morreu e foi para o céu, chegou lá em nono. Mas no caminho para cima, fez um buraco no ozono. Era uma vez um rapaz, com cabeça de queijo, e por causa disso, nunca teve um beijo. Mas como era pragmático, nunca sofria. Pior seria, se em vez do queijo todo, tivesse apenas uma fatia. Era uma vez uma rapariga, que gostava de cheirar cola. Cheirava, cheirava e nunca parava. O chato era que ficava, com o lenço colado na cara, sempre que se assoava. Mente perversa? Eu? Há pior... Para ler muito. Duas vezes não chega...

11.5.08

15 - A história de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar


Luis Sepulveda.
Era uma vez um gato chamado Zorbas. Um dia, quando ele estava na varanda, apareceu uma gaivota muito doente. A gaivota pediu para ela tomar conta do ovo dela e para ensinar a gaivotinha a voar. Quando a gaivotinha nasceu, o Zorbas pediu ajuda a três amigos: o Colonello, o Sabetudo e o Secretário. Com a ajuda dos três gatos amigos, ele cumpriu as três promessas e ensisinou a gaivotinha ditosa a voar.
(Resumo escrito pelo João)

4.5.08

14 - A rapariga que roubava livros


Markus Zusak.
Logo ao princípio tive mensagens contraditórias. A capa era lindíssima, mas era uma história passada em pleno nazismo/2ª guerra mundial, período histórico que eu evito com todas as minhas forças, uma vez que ando já há muito tempo a jogar à defesa no que diz respeito a deixar que algo que eu leia me provoque tristeza. Ando um bocado maricas, emocionando-me facilmente ainda que sempre com razão. Não se trata de estar com as lágrimas em saldo, ou mesmo de já não saber onde as aplicar. Sei. Sei sempre o que vale a pena ser chorado mas, por e simplesmente, não me apetece sentir-me triste com indignidades históricas. Prefiro acreditar que já passaram e que não se vão repetir. Esta história das emoções é cíclica. Quando era miúdo, os meus bons sentimentos faziam com que me emocionasse com tudo que era desgraça e injustiça. Mais tarde, por achar que isso me deixava demasiado exposto, investi numa couraça sentimental que me fazia enfrentar qualquer coisa sem sequer piscar. Depois de alternar várias vezes entre a fraqueza e a força, fixei-me finalmente num estado de espírito constante, que é o de Ter que evitar pensar/ver/ler coisas tristes para não desatar a chorar tipo maria madalena em versão pré-código Da Vinci. Curiosamente, esta fase maricas instalou-se definitivamente há cerca de uns seis anos. Porque terá sido ? Comecei a ler, no metro, a caminho do concerto dos portishead, aquele em que toda a gente chorou, se emocionou, reencontrou as suas almas gémeas, ressuscitou para o mundo sentimental e essas coisas todas que a seguiram foram contar aos jornalistas do Público. Enfim... Comecei a ler no metro e li que:
era uma história contada pela morte.
a morte era totalmente centrada nas cores.
A morte falava dos humanos com um desdém de superioridade resignado...
Endireitei-ma na cadeira, li com mais força (eu consigo ler com diversas intensidades) e pensei: Joana... Deste-me um daqueles livros que faz a diferença! Super direito na cadeira, continuei a ler, e logo a seguir um miúdo de seis anos morre. Porra. Fechei o livro, com vontade de atirá-lo pela janela fora (as janelas do metro do porto não abrem, por isso é que digo isto). Como é possível ter caído na armadilha? Caramba... Eu já não tinha decidido que nunca mais iria ler algo em que morressem crianças de seis anos? Era tarde, e o mal já estava feito. E então, o livro começou. Liesel viajava num comboio, com a mão que a ia entregar a ela e ao irmão a uma família adoptiva, porque não tinha dinheiro para os sustentar. Não querendo passar por isso, o irmão decidiu morrer no comboio, de tristeza, digo eu. Liesel foi então entregue à família adoptiva, constituída por uma mãe chamada Rosa e por um pai chamado Hans. A mãe estava sempre a praguejar e a chamar-lhe saumensh e o pai tinha uns olhos cinzentos que faziam com que tudo o que fizesse tivesse simultaneamente a adequação da sabedoria e a placidez do sentimento bem aplicado. Esta definição é minha, e não está má. Liesel tinha pesadelos, mas o pai ia para a beira dela e ensinava-a a ler. A ler o quê? Esqueci-me de dizer que, após a morte do irmão, Liesel roubou o primeiro livro: O manual do coveiro. Quando Liesel chegou a casa dos hubbermans, Rosa, a mãe, perguntou-lhe: Como chamavas à tua mãe? Mãe, disse Liesel. Muito bem, disse Rosa. A mim podes chamar-me Mãe também. Liesel foi-se integrando na vida da rua, ao lado de Rudy, um miúdo ariano loiro de olhos azuis que, um dia, se encarvoou todo pintando-se de preto e foi para o estádio correr fingindo que era o Jesse Owens... Como é possível não gostar de Rudy? Foi o que a morte disse, quando o levou: " Mexe comigo, aquele rapaz... Sempre. Ele parte-me o coração. Ele faz-me chorar..." Como é possível não chorar quando Rudy morreu? Choraste, quando o Rudy morreu? É a pergunta que se faz a quem leu este livro. Não é? Eu, que estava num avião a caminho da Lapónia, tive que respirar um bocadinho fundo Entretanto, as coisas iam acontecendo... A morte ia levando cada vez mais almas, sentindo-se exausta e super amargurada com o trabalho que os humanos lhe davam. Rosa chamava saumensh e saukerl a toda a gente. Hans limitava-se a ser o melhor pai do mundo e Liesel e Rudy amavam-se a sério, como as pessoas se deveriam amar. Esta conclusão é minha, e está certa. Max, um judeu refugiado na cave de Liesel, escrevia as histórias mais lindas do últimos tempos e as bombas começaram a cair sobre Munich Street. Era o nome da rua em que eles moravam. E Liesel continuava a roubar livros, e Rudy sempre ao seu lado, desejando aquele beijo que, embora só tenha acontecido no fim, tem sempre que acontecer, sempre, para que as pessoas sejam felizes. E eu, eu não digo mais nada, porque estou a ficar triste e não quero chegar à conclusão que o livro mais bonito que li nos últimos dez anos é um livro triste.
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