Markus Zusak.
Logo ao princípio tive mensagens contraditórias. A capa era lindíssima, mas era uma história passada em pleno nazismo/2ª guerra mundial, período histórico que eu evito com todas as minhas forças, uma vez que ando já há muito tempo a jogar à defesa no que diz respeito a deixar que algo que eu leia me provoque tristeza. Ando um bocado maricas, emocionando-me facilmente ainda que sempre com razão. Não se trata de estar com as lágrimas em saldo, ou mesmo de já não saber onde as aplicar. Sei. Sei sempre o que vale a pena ser chorado mas, por e simplesmente, não me apetece sentir-me triste com indignidades históricas. Prefiro acreditar que já passaram e que não se vão repetir. Esta história das emoções é cíclica. Quando era miúdo, os meus bons sentimentos faziam com que me emocionasse com tudo que era desgraça e injustiça. Mais tarde, por achar que isso me deixava demasiado exposto, investi numa couraça sentimental que me fazia enfrentar qualquer coisa sem sequer piscar. Depois de alternar várias vezes entre a fraqueza e a força, fixei-me finalmente num estado de espírito constante, que é o de Ter que evitar pensar/ver/ler coisas tristes para não desatar a chorar tipo maria madalena em versão pré-código Da Vinci. Curiosamente, esta fase maricas instalou-se definitivamente há cerca de uns seis anos. Porque terá sido ? Comecei a ler, no metro, a caminho do concerto dos portishead, aquele em que toda a gente chorou, se emocionou, reencontrou as suas almas gémeas, ressuscitou para o mundo sentimental e essas coisas todas que a seguiram foram contar aos jornalistas do Público. Enfim... Comecei a ler no metro e li que:
era uma história contada pela morte.
a morte era totalmente centrada nas cores.
A morte falava dos humanos com um desdém de superioridade resignado...
Endireitei-ma na cadeira, li com mais força (eu consigo ler com diversas intensidades) e pensei: Joana... Deste-me um daqueles livros que faz a diferença! Super direito na cadeira, continuei a ler, e logo a seguir um miúdo de seis anos morre. Porra. Fechei o livro, com vontade de atirá-lo pela janela fora (as janelas do metro do porto não abrem, por isso é que digo isto). Como é possível ter caído na armadilha? Caramba... Eu já não tinha decidido que nunca mais iria ler algo em que morressem crianças de seis anos? Era tarde, e o mal já estava feito. E então, o livro começou. Liesel viajava num comboio, com a mão que a ia entregar a ela e ao irmão a uma família adoptiva, porque não tinha dinheiro para os sustentar. Não querendo passar por isso, o irmão decidiu morrer no comboio, de tristeza, digo eu. Liesel foi então entregue à família adoptiva, constituída por uma mãe chamada Rosa e por um pai chamado Hans. A mãe estava sempre a praguejar e a chamar-lhe saumensh e o pai tinha uns olhos cinzentos que faziam com que tudo o que fizesse tivesse simultaneamente a adequação da sabedoria e a placidez do sentimento bem aplicado. Esta definição é minha, e não está má. Liesel tinha pesadelos, mas o pai ia para a beira dela e ensinava-a a ler. A ler o quê? Esqueci-me de dizer que, após a morte do irmão, Liesel roubou o primeiro livro: O manual do coveiro. Quando Liesel chegou a casa dos hubbermans, Rosa, a mãe, perguntou-lhe: Como chamavas à tua mãe? Mãe, disse Liesel. Muito bem, disse Rosa. A mim podes chamar-me Mãe também. Liesel foi-se integrando na vida da rua, ao lado de Rudy, um miúdo ariano loiro de olhos azuis que, um dia, se encarvoou todo pintando-se de preto e foi para o estádio correr fingindo que era o Jesse Owens... Como é possível não gostar de Rudy? Foi o que a morte disse, quando o levou: " Mexe comigo, aquele rapaz... Sempre. Ele parte-me o coração. Ele faz-me chorar..." Como é possível não chorar quando Rudy morreu? Choraste, quando o Rudy morreu? É a pergunta que se faz a quem leu este livro. Não é? Eu, que estava num avião a caminho da Lapónia, tive que respirar um bocadinho fundo Entretanto, as coisas iam acontecendo... A morte ia levando cada vez mais almas, sentindo-se exausta e super amargurada com o trabalho que os humanos lhe davam. Rosa chamava saumensh e saukerl a toda a gente. Hans limitava-se a ser o melhor pai do mundo e Liesel e Rudy amavam-se a sério, como as pessoas se deveriam amar. Esta conclusão é minha, e está certa. Max, um judeu refugiado na cave de Liesel, escrevia as histórias mais lindas do últimos tempos e as bombas começaram a cair sobre Munich Street. Era o nome da rua em que eles moravam. E Liesel continuava a roubar livros, e Rudy sempre ao seu lado, desejando aquele beijo que, embora só tenha acontecido no fim, tem sempre que acontecer, sempre, para que as pessoas sejam felizes. E eu, eu não digo mais nada, porque estou a ficar triste e não quero chegar à conclusão que o livro mais bonito que li nos últimos dez anos é um livro triste...
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