9.2.13

38 - o clube de Dante












Mathew Pearl
Os princípios eram bons. Quatro poetas famosos americanos do pós-guerra civil resolvem traduzir a divina comédia, num ambiente puramente harvardiano. Convencido e arrogante como sou, imaginei logo que os quatro poetas famosos eram aqueles que eu conheço e admiro e que seriam a escolha lógica de qualquer escritor com bom senso. E que são, obviamente, Edgar Allan Poe, H. P. Lovecraft, Mark Twain e  Henry David Thoreau. Ah, esses não são poetas, são apenas escritores, dirão os puristas mas eu, para além de querer que os puristas se lixem, acho que qualquer bom escritor é um bom poeta, sendo que o inverso não é obrigatoriamente verdade. Claramente que o autor do livro era um purista, pois os quatro poetas americanos famosos que ele escolheu foram Henry Wadsworth Longfellow, Oliver Wendell Holmes,  James Russell Lowell e George Washington Greene. Destes todos, apenas conhecia vagamente um, não o George Washington, como toda a gente que nunca lerá este texto poderia estar a pensar, mas sim o Longfellow, conhecido mesmo entre as pessoas menos cultas como eu pelo seu famosíssimo bigode de morsa. Voltando ao livro, os poetas (des)conhecidos reuniam-se todas as quartas feiras para traduzir um canto da Divina Comédia, naquilo a que chamam o Clube Dante. Não resisto a mais um pequeno aparte. Os cultos falam sempre na Divina Comédia, insinuando assim que leram os três livros, mas na verdade, acabam sempre por só falar no Inferno, que foi o que qualquer comum mortal como eu leu e nada percebeu. Faz lembrar aquela anedota em que alguém dizia acerca da Barbie que " she is dating  Kenny but actually, she's fucking Action Man". Bem, de repente começam a acontecer crimes em Boston iguais aos suplícios que Dante descrevia no Inferno, com a particular coincidência de acontecerem precisamente a seguir à reunião do clube. Ou seja, eles traduziam o castigo dos tíbios e alguém matava um tíbio da maneira que eles traduziam. Confesso que foi um exemplo algo infeliz, porque não fazia a mínima ideia do que era um tíbio e pelos vistos trata-se de uma pessoa que, podendo e devendo decidir, podendo e devendo agir, assim não o faz. Bolas, e eu que tenho um desses sempre à minha volta, a zumbir. E, digo eu, se isso é razão para ir para o Inferno e ainda por cima ser intensamente torturado então estávamos lixados. Íamos todos para lá. Pois é. Tinha tudo, o nosso escritor,  para fazer um grande livro, que foi precisamente aquilo que não fez. Os poetas, que deviam ter o dom da palavra, tem diálogos muito pobres, quer entre si quer com o mundo. Passam a vida a chamar meu querido uns aos outros, o que não sendo directamente creditado na coluna da homossexualidade, me irrita porque é demasiado queque e eu detesto. O autor perde-se bastante nos pormenores da vida de Dante, mas numa perspectiva muito académica e algo mesquinha, com que ele depois faz o paralelo como mesmo ambiente académico e mesquinho da universidade. Depois existe o personagem do primeiro polícia negro de Boston, que também não diz duas palavras seguidas de jeito. Será que é de propósito? A ser, seria um golpe muito baixo. A única coisa fixe é a descrição da vida do assassino ao longo da guerra civil, que mostra como a sua humanidade se transformou em desumanidade e que, pelo menos a mim, me mostrou aspectos da guerra civil americana nos quais eu nunca tinha pensado. Aqui sim, conseguimos ter acesso ao interior de um dos personagens e quando damos por estamos a compreendê-lo perfeitamente e tudo o que ele diz nos parece fazer todo o sentido, e começamos a compreender o que ele fez. E, de repente, assustá-mo-nos, porque nós somos bons, e os bons não se identificam com os maus. Respiramos fundo e aliviamos a nossa consciência constatando que se trata apenas de um livro, e nem sequer é muito bom. Embora nos fique qualquer coisa a remoer o subconsciente e a dizer que se calhar não somos tão bons quanto isso. Nem nós nem o livro. Enfim,  muito esforço meu (para me manter acordado a ler), um bom esforço do escritor (que claramente se aplicou e teve o mais difícil, que é uma grande ideia) mas um não muito bom livro. Nem pouco bom. Nem nada bom. Como diria o Shakespeare, mucha do about nothing. Como diria o João da Ega, uma seca.

8.2.13

37 - feed












Mira Grant
Feed, segundo a wikipédia, é "...é um formato de dados usado em formas de comunicação com conteúdo atualizado frequentemente, como sites de notícias ou blogs. " Segundo os inglese, trata-se do verbo que traduz o acto de alimentar. Neste livro, que usa essa palavra como título, é um trocadilho feliz.
Um vírus infectou a humanidade, um vírus que entrou em toda a gente  mas que fica latente até ser activado por um fluido vindo de um zombie. Todos os mamíferos da terra contraíram o vírus. Nenhum réptil. Nenhum insecto. Nenhum molusco. Mas apenas os mamíferos com mais de 20 kg reanimam em zombies, se infectados. Aqui surgem algumas ideias interessantes. Cavalos zombies. Girafas zombies. Elefantes zombies. Baleias zombies. Tudo o que é engraçado  se torna potencialmente zombie. As pessoas deixam de comer carne, por receio de ingerirem ainda mais vírus e, dessa maneira, aumentarem as suas probabilidades de infecção. Consequentemente, e logicamente, a disposição das massas desce abruptamente. O peixe e os vegetais não puxam carroça, e os cavalos zombies também não. Isto são eufemismos para dizer que, de facto, a vida piorou. Depois de se ser infectado, podem acontecer duas coisas. Ou se é morto imediatamente depois da infecção, pelos zombies e depois reanima-se, ou a transformação dá-se tipo online Algumas cidades foram completamente perdidas para os zombies, uma vez que os governos decidiram deixar de mandar para lá tropas. Porque os zombies, ou as comiam, que ainda seria o mal menor porque oa manteria ocupados, ou as infectavam, criando assim zombies especialmente treinados na arte de lutar. Poder-se-ia argumentar que não há grandes diferenças entre soldados e zombies, mas eu não concordo, porque nunca nenhum soldado me tentou comer. Atribuo isso à minha fraca capacidade de impressionar favoravelmente a comunidade homossexual. Eles gostam de homens a sério... O vírus foi causado pelo lançamento na atmosfera da cura para a constipação, que se misturou com o vírus da cura para o cancro, com o qual parte da população tinha sido inoculado. A história mais detalhada gira à volta de  Georgia, Shawn e Buffy (sim, que retirou o nome da loira caçadora de vampiros), que  são bloggers e que são destacados para cobrir a campanha presidencial americana, tipo west wing em que os eleitores são os que não são ainda zombies. Poder-se-ia argumentar que não há grandes diferenças entre os eleitores e os zombies, mas eu não concordo, porque nunca nenhum eleitor me tentou ... adiante. Os blogs passaram a ser considerados imprensa séria a partir do momento em que a imprensa séria deixou de o ser. Aquando do levantamento, palavra usada para descrever o inicio da infecção, a imprensa séria mentiu, a mando dos políticos, enganando a população no sentido de as fazer crer que os zombies não existiam de facto. E as pessoas foram mortas e infectadas aos magotes porque não tomaram as devidas precauções. Foi nos blogues que a verdade foi contada. Não só a verdade, como todas as técnicas de sobrevivência e de combate aos zombies.  Tipo Max Brooks, no seu manual de sobrevivência. O que me faz lembrar que ainda não percebi se o Worl War Z, cujas filmagens eu vi quando estive em Glasgow, já estreou ou não. Tivesse eu gasto mais 120 euros e posto 3G no meu ipad, e poderia verificar isso agora, mesmo fechado neste comboio a caminho de casa e vindo de Lisboa. Voltando ao livro, foi curiosamente devido aos muitos filmes que George Romero fez de zombies, que se conseguiu mobilizar uma resistência mais ou menos efectiva, uma vez que este tinha previsto nos seus filmes como é que os zombies se iriam comportar. George Romero passou assim a ser um herói da humanidade. Em termos de historia do livro, temos que os dois irmãos bloggers são seleccionados para cobrir a campanha de um senador a presidência dos estados unidos. Esse senador tem uma ideia bastante interessante  que devia ter sido melhor desenvolvida e  explorada no livro, e que era conseguir uma sociedade em que zombies e humanos conseguissem coabitar. Obviamente que teriam que ser os humanos a dirigi-la, mas numa perspectiva de integração dos zombies, e não apenas de passar a vida a fugir deles. Ou seja, partir para a ofensiva, controlar os zombies, pô-los a trabalhar. Assim de repente, pode parecer escravatura, e neste caso, como quase sempre, o que parece é, ou mais concretamente, seria. Mas os zombies não tem consciência  logo para eles seria exactamente a mesma coisa estarem ali a arrastar-se de braços esticados ou, sei lá, partir pedra. Um exercício interessante seria pensar se o espírito humano iria conseguir escravizar uma raça inferior ou se, mesmo considerando que o único objectivo dessa raça é comer-nos vivos, ainda assim os ideais de democracia e de moralidade se manteriam. Porque nós, humanos, somos capazes dos dois extremos: proteger, em nome de fazer o que consideramos correcto, aqueles que não merecem a nossa protecção para, logo a seguir, lixarmos completamente o nosso semelhante, explorando-o sem contemplações, aliviando a nossa consciência com o facto de existir um papel qualquer que isso legitima. Portanto, digo eu e não o livro, que o problema era apenas fazer com que os zombies assinassem um qualquer contrato de trabalho. O que, convenhamos, não seria muito fácil, com aquelas mãos todas encarquilhadas.
A ideia de usar impressões digitais também não resultaria uma vez que os zombies, quando privados do seu vício principal de trincar carne humana, tem tendência a roer as unhas. Possuidores de um sistema nervoso central completamente lixado, o resultado desse vício é, obviamente, a decapitação digital. Podia ser com uma assinatura de adn, tipo saliva, mas assim infectavam toda a gente. Também não dava... A partir daqui pouco mais há a dizer acerca do livro, que em vez de seguir as ideias originais que aponta (imagino as delícias que se poderia fazer com a ideia das girafas zombies, espécime do qual conheço um exemplar ocasional) , se perde com uma trama que deambula entre a politica fraquinha e a acção um bocadinho inconsequente. Acabamos por não perceber qual era o objectivo do mau da fita, um senador qualquer e apenas tornamos a sentir um bocadinho de emoção com as mortes de Buffy e de Georgia, sendo que apenas Shawn escapou. O melhor são mesmos os extractos dos blogs de Georgia e Shawn, que aparecem a encabeçar alguns dos capítulos. E que tem uns nomes muito fixes. O de Georgia chama-se "As imagens podem ferir a tua sensibilidade" e o de Shawn chama-se "viva o Rei".  Tivesse eu um blog e gostaria de ter tido imaginação para ter escolhido um nome assim.