26.5.13

41 - ender's game













Orson Scott Card.
Começando por uma declaração de intenções, e para afastar desde já possíveis interessados potencialmente desiludíveis, isto é um livro de ficção científica. Pior. Um livro de ficção científica escrito em 1984, numa altura em que os livros não eram apenas a fase anterior do filme, filme esse que é o elemento absorvente da cultura nos últimos vinte anos. Ou mais. Mas o que é bom acaba sempre por emergir e este livro ganhou o Prémio Nébula, assim como a sua continuação também ganhou o Prémio Nébula. O terceiro livro da série, já não me lembro se ganhou um prémio ou não, mas foi o primeiro texto deste blog, publicado aqui a 28 de fevereiro de 2007. E escrito ainda antes, se bem me lembro. A história não é simples. Uma raça insectóide tentou já por duas vezes invadir a Terra e dominar a humanidade. Nesta altura não sabemos ainda se para a extinguir, se para a escravizar. Não sabemos pormenor nenhum a não ser que das duas vezes nos safamos por pouco e conseguimos mandar os insectos de volta para o planeta deles. Mas deu para percebermos o quão mais avançados que nós eles eram em termos tecnológicos, pelo que seria uma questão de tempo até virem experimentar o conceito terrestre que às 3 é de vez. A única alternativa que resta à humanidade é ir-se organizando e preparando para o futuro. futuro esse, dado a grande distância do planeta insectoide, algo distante também ele. Cria-se assim na Terra a Frota International, uma aliança entre todas os países a que todos os países tem que obedecer. Em rigor, esta organização foi criada ainda antes das invasões, para impedir que a Humanidade se explodisse a si própria. tal esteve tão perto de acontecer que ainda hoje a Frota Internacional destruirá imediatamente qualquer país que desenvolve armas nucleares. E seria uma destruição vinda dos c’eus, uma vez que a frota está sempre em voo. Mais talhados para jogar em casa do adversário, onde se pode estragar tudo sem grandes problemas de consciência, os almirantes da Frota Internacional reuniram uma armada gigantesca e enviaram-na para o planeta mãe dos insectóides, para o destruir e acabar de vez com a a invasão, sendo que as naves humanas levavam a tripulação toda a dormir, para os soldados não envelhecerem os 30 ou 50 anos que demorava a viagem. O problema é que faltava um líder para a frota, pois também tinha ficado bem claro nas duas primeiras invasões a profunda eficiência e inteligência da frota insectoide, provavelmente decorrente de ser comanda apenas a uma voz, pela rainha, sendo que cada indivíduo insectoide era a negação em si próprio de si mesmo, ou seja, da individualidade. Era apenas mais uma peça da engrenagem, que não provocava atrito porque não pensava. Criou-se assim na Terra a Escola de Batalha, para onde passaram a ir as crianças mais inteligentes da humanidade. O principal potencial fornecedor de crianças para a Escola de Batalha era um casal que, só tinha filhos inteligentes e que eram monitorizados pela Frota Internacional praticamente desde que nascia, a ver se serviam. o primeiro, Peter, servia em termos de inteligência e afins mas era um bocadinho mau, pelo que se achou que se calhar não era boa idéia. A segunda, Valentine, servia em termos de inteligência mas era demasiado boa, pelo que também se achou que se calhar não era muito boa ideia. Contrariando a lei vigente dos dois filhos por casal, foi pedido aos pais que tentassem mais uma vez, o que deu origem a Ender, que iria viver a sua vida a ser ostracizado, estigmatizado e, acima de tudo, separado do resto da humanidade. Avançando, Ender vai de facto para a Escola de Batalha onde, ao contrário do que acontece na maior parte dos filmes americanos que abordam processos de recruta, lhe passam a vida a gritar na cara, não que não presta, mas que é o maior génio que a humanidade alguma vez criou e que convinha que isso se notasse nas suas acções. compreensivelmente, embora não para mim, isso faz com que Ender seja razoavelmente odiado pela malta à sua volta, o que lhe irá causar uma solidão extrema nos processos de decisão interna e também algumas situações que lhe fazem vir à tona aquilo que provavelmente mais o distingue dos outros. É tipo uma espécie de pragmatismo resignado em que, confrontado com a inevitabilidade do que está a acontecer e do que tem que fazer, então mais vale arrumar logo com o assunto para não se passar o resto da vida a sofrer as consequências de o ter deixado a meio. Resumindo, se é para bater, então bate-se de uma maneira tal que quem te quer bater fique de tal maneira convencido que não é bom voltar a tentar bater-te que desampara a loja de vez. Sim, mas assim arriscas-te a magoar alguém... ou a matar, mesmo. Pois... Isso é verdade, mas não é essa a finalidade das lutas ? Ender é assim constantemente pressionado e encurralado que a única direcção para fugir é para a frente. ganha um batalha de manhã e marcam-lhe uma para a tarde. Ganha a da tarde e marcam-lhe uma para a noite cintra dois exércitos ao mesmo tempo. Consegue ganhar essa e de madrufgada, sem ter tempo para descansar, marcam-lhe uma contra três em que ele tem que ir sem armas. Ender ganha sempre mas há, obviamente, efeitos secundários. Um deles é despertar uma adoração religiosa nos seus seguidores. Outro é aprender se calhar uma das lições mais importantes em relações humanas e que é que quem tem o poder não se coibe de estar sempre a mudar as regras a seu favor. E isto fez com que Ender desconfiasse sempre e para sempre do poder instituído e tenha crescido uma pessoa completamente devotado à liberdade de todos. Porque nos povos pode-se sempre confiar porque não têm poder para mudar as regras. Ao contrário do que acontece com os governos. Entretanto, o treino vai evoluindo e Ender é transferido junto com os melhores amigos para a Escola de Comando, onde é submetido a simulações de batalhas dificilimas, em que as naves dos insectoides são cada vez mais, cada vez mais rápidas, mais poderosas e mesmo assim Ender vai vencendo sempre o computador. Um dia, é confrontado com um exercício diabólico, passado nas imediações do planeta mãe dos insectoides, em que as naves inimigas são aos milhões, movem-se à velocidade da luz e tem armas e escudos poderosíssimos. Ender está exausto e à sua volta os seus comandantes e amigos desabam todos (excepto um, chamado Bean, que merece um texto próprio). Reflectindo durante os microssegundos que a batalha lhe deixa livre, Ender chega à conclusão que mais uma vez a única maneira de acabar com a tortura é bater forte e de vez. Assim, através de uma manobra estratégica mais ou menos impossível, rebenta com o planeta mãe dos insectoides acabando assim de vez com o raio da batalha infinita, assumindo que a ficção imitará com sucesso a realidade. Saiu-lhe ao contrário e foi a realidade que imitou mais uma vez a ficção porque esta batalha, assim como todas as que Ender lutou contra o computador, era real e estava efectivamente a ser travada contra as naves insectoides, junto ao planeta mãe insectoide, pela frota que tinha partido da terra 50 anos antes. Assim, sem saber o que estava a fazer, Ender aniquilou completamente a única raça inteligente extraterrestre conhecida, situação de tal enormidade cujas consequências dificilmente seriam apreensíveis por si antes que passasse muito tempo e que não cabem neste já não muito pequeno texto. Embora muitas delas estejam já contadas no texto com que arranquei este blog, há muitos anos atrás. Entre esse livro e este, há ainda mais um, tão bom como qualquer um dos outros dois. Um dia falarei dele, quanto mais não seja antes de os americanos fazerem dele um filme, que é o que vai acontecer a este no próximo mês de Novembro. Ficam estas notas para o caso de o filme não prestar, para memória futura de um livro que não é lá muito bom. É óptimo.

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