25.4.10

23 - cordeiro



Christopher Moore.
Outro livro de capa branca. Outro livro brutal. A teoria confirma-se. Comecei algo equivocado, pois com esta mania de ler as coisas só até meio ( e isto aplica-se também aos títulos dos livros), pensava que o livro era escrito por uma ovelha que fazia parte do rebanho de Jesus. O que até fazia sentido, porque o meu cérebro logo me convenceu que Jesus tinha sido pastor. Não tinha. Embora ninguém saiba bem, o mais provável é que tenha sido carpinteiro. Bem, não foi a ovelha que escreveu o livro. Ovelha era ele, Jesus, mais concretamente, cordeiro. De Deus. E eu sabia disso; foram muitos anos de catequese. Quem escreveu o livro foi Levi, o melhor amigo de Jesus, que o acompanhou na sua infância. Mas, antes de se avançar mais, temos que esclarecer a questão dos nomes, que para mim é fundamental e uma das melhores coisas do livro. O Levi chama-se Biff, Jesus, que era Joshua em hebreu, é Josh e Maria Madalena, a melhor amiga dos dois é Maggie. Para mim esta questão dos nomes é importantíssima. Vou confessar um segredo meu que será provavelmente uma blasfémia. Não gosto do nome Jesus. Nunca gostei. Desde novo que sempre me senti desconfortável ao ouvi-lo e o facto é que todos os Jesus que conheço, são maus, sendo o exemplo fácil de verificar olhando para o momento actual do futebol português. O único Jesus bom era o Cristo mas, com ambos os nomes maus, sempre tive dificuldade de me identificar completamente com ele. Vai daí, pensar nele como Josh foi como ter experimentado uma espécie de ressurgimento litúrgico, foi uma verdadeira experiência religiosa, pois consegui finalmente encará-lo como aquilo que ele foi, ou seja, um dos melhores gajos que já apareceu na Terra. E com um nome super fixe. Temos então que Jesus achou que a sua história estava mal contada e mandou Raziel, um anjo loiro, lindíssimo e burríssimo (provavelmente a origem do mito da falta da inteligência das loiras), ressuscitar Biff cerca de dois mil anos depois de este ter morrido, o que dá, grosso modo, ontem ou anteontem. Deus terá pensado, e bem digo eu, que o biografo mais fiável que o seu filho poderia ter era o melhor amigo de infância, e esta dupla adjectivação não foi despropositada. Haverá alguém coisa que ter, no mesmo substantivo, os dois adjectivos juntos? Melhor – Amigo – De Infância. O que se pode desejar mais ? Eu, por exemplo, tenho um melhor amigo (que é uma amiga) e adorava que ela fosse minha amiga de infância (o que não é muito simples, porque ela é algo mais nova do que eu). A parte da infância resulta bem porque ela é um bocadinho infantil. Voltando ao livro, e porque estes textos não são apenas uma forma de escrever entrelinhas, vamos lá escrever algumas linhas. Josh e Biff têm uma infância normal, que se passou entre o acordar da consciência religiosa de Josh, despertada durante as brincadeiras bíblicas em que Josh era sempre algum dos patriarcas israelitas, Biff o opressor e os irmão mais novos de ambos a carne para canhão dos milagres que iam sendo tentados. Foi nesta altura que Josh foi treinando as suas capacidades, quer ressuscitando lagartos mastigados, quer imprimindo a sua cara no pão religioso que os judeus comem na Páscoa, circuncidando a estátua de Apolo, da qual saiu cerca de 90 cm de prepúcio ou ressuscitando algumas pessoas, situação que não corria lá muito bem porque Josh não tinha ainda os poderes bem treinados e as pessoas morriam logo a seguir, algo convenhamos, aum bocadinho anticlimático. Foi também nesta altura que ambos conheceram Maggie e que o amor triangular nasceu. Biff adorava Maggie. Maggie adorava Josh. Josh adorava os dois e também o resto do mundo. Um dia, todos estes amores se tornaram insuportáveis e Josh resolveu viajar pelo mundo para tentar descobrir se ele era ou não efectivamente o Messias, e o que deveria fazer caso efectivamente o fosse. Decidiu assim procurar uns homens que o foram visitar quando ele nasceu e que o anunciaram ao mundo como o seu salvador. Do mundo. Eram três reis. Magos. Vai daí, Josh e Biff decidem ir procurá-los, sendo que Josh não teve coragem de se despedir de Maggie, e Biff não teve coragem para dizer a Maggie que era ele e foi mais uma vez a mulher que teve a serenidade e a sabedoria de saber o que fazer, com quem fazer e o que dizer para que todos ficassem felizes numa situação de infelicidade, que é o que acontece quando pessoas que gostam umas das outras têm que se separar. Foram assim, Josh e Biff, em busca do primeiro rei mago, Baltazar, penso eu, e que era um mago imortal que tinha feito um pacto com um demónio e que vivia num castelo com oito concubinas, todas chinesas, com nomes intermináveis e bastante ... sexuais. Na viagem, Josh quis aprender o que era o sexo, pelo que Biff teve que o fazer com várias prostitutas para depois contar a Josh como era. Parece que não se conseguiu explicar bem à primeira. Nem à Segunda. Nem à terceira. Nem à Quarta. Foi, por isso tentando e continuando a tentar com as oito concubinas chinesas de cujo nome só me consigo recordar de duas. Joy e Su. Diminutivo de Susana, obviamente. Baltazar não tinha nada que ensinar. Era apenas um velho devasso, daqueles que fazem festinhas nas costas, e que descobriu o amor apenas antes de morrer, o que é, na minha opinião, uma forma algo hipócrita de redenção. O amor era por Josh. Ao menos isso. Da China, seguiram para a índia, em busca de Gaspar (acho eu) que era um monge budista num mosteiro tibetano, completamente ascético. No caminho para o mosteiro, Josh bateu com a cabeça numa tabuleta de uma estalagem e sangrou, tendo que fazer uma ligadura com o manto que trazia. A suas feições passaram para o pano, tendo assim sido criado o santo sudário, que Josh deu a um comerciante romano da Ligúria. No mosteiro, Josh conseguiu ser completamente zen, conseguiu a iluminação, o nirvana e, quanto a mim, foi nesse momento que assumiu verdadeiramente o seu messianismo. Pois ao atingir a iluminação, a paz interior, de tudo isso abdicou por forma a dedicar-se à humanidade. Foi um momento importante. E bonito. Tipo o objectivo final do budismo tibetano encontrou e conjugou-se em total harmonia com a pedra basilar do cristianismo. Dá que pensar... Outra coisa que Josh e Biff encontraram foi o Iéti, o abominável homem das neves ou, nas palavras de Biff, “o que acontece quando um homem pina uma ovelha”. O iéti, embora bonito e poético, morreu, lançando uma grande tristeza no coração de Josh e fazendo com que ele chegasse à conclusão de que o seu tempo como monge tibetano tinha acabado. Vai daí, segue ainda mais para a India e descobre Belchior (acho eu), o irmão gémeo de Gaspar (acho eu). Aqui dá a sensação que o autor já estava farto de reis magos e resolveu despachar o último dizendo que era igual ao outro. Está bem. Sigamos. Para Israel, novamente, onde Josh assume o seu papel de Messias, se entende com o primo João e faz todas as coisas que nós já sabíamos e que o faz acabar crucificado. Aqui penso que há alguma desonestidade intelectual do autor. O Josh que fomos conhecendo ao longo de 500 páginas, um Josh bondoso, inteligente, lúcido, crítico e, acima de tudo, profundamente humano, não se iria deixar crucificar apenas para que a religião católica pudesse chantagear os seus seguidores para todo o sempre. O Josh que nós conhecemos nunca permitiria que, em seu nome, se instituísse uma religião baseada na culpa. Tipo: ele fez tudo por vós e vocês crucificaram-no, p or isso, agora e para todo o sempre, bora lá enriquecer o Vaticano. O Josh que nós conhecemos ao longo das quinhentas páginas iria mandar às urtigas esta história da culpa e iria viver feliz para sempre ao lado da mulher que sempre amou, Maggie, eventualmente permitindo que Biff a ... compartilhasse de vez em quando, porque a felicidade pode ser a mais do que dois. O Josh que nós conhecemos neste livro iria Ter muitos filhinhos, e eventualmente até lembrar-se das suas experiências orientais e adoptar uma chinesinha de tranças. Não se deixaria matar. Por isso, e como toda a gente sabe o resto da história, avanço rapidamente para o fim. Depois da crucificação, Biff mata Judas e mata-se depois, porque não conseguia viver sem Josh. É ressuscitado dois mil anos depois e escreve o evangelho mais bonito de todos. Que é este livro. E que é bom. Muito bom. Daqueles que ainda sabe melhor se a leitura for partilhada. E simultânea.

Sem comentários: