9.5.10

24 - the graveyard book


Neil Gaiman.
Estou dividido. Se tivesse que me decidir sobre escrever ou não um resumo para este livro, tinha algumas dificuldades. Embora possa não parecer porque este texto está aqui. Mas tenho dúvidas. Para mim um livro tem que ser uma coisa completa, uma experiência total. Tenho que o ler, perceber e depois gostar. Ou não. Neste caso, começamos por ter uma ideia genial, que é um bebé que consegue fugir ao destino de toda a sua família, que é o de ser assassinado por um assassino bué de cool, e foge para o cemitério, onde é apadrinhado pelos mortos que lá vivem. Mas, e como o cemitério tinha sido considerado reserva natural, desde há já muito tempo que não enterravam lá ninguém, pelo que os mortos que acolheram o bebé eram, chamemos-lhe assim, velhos. Antigos. É nos pormenores que se vêem as diferenças... Os pormenores geniais continuam. Como os mortos não sabem o nome do bebé, decidem baptizá-lo (até porque estão em solo sagrado) e decidem chamar-lhe Bod, diminutivo de Nobody, tradução de Ninguém, ironia grande, uma vez que o bebé era o único que era Alguém no meio de todos aqueles mortos. Começa bem, dizia eu, mas rapidamente Bod cai numa vida sem grande sentido, limitando-se a ser um vivo a assombrar os mortos, que neste caso até são seus amigos. Poder-se-ia dizer várias coisas. Que o vivo assombrar morto é uma contradição propositada.. Que a vida do vivo no meio dos mortos é forçosamente falha de sentido. E muitas alegorias mais... Mas o que é facto é que, neste ponto, o livro se torna algo aborrecido. As aventuras de Bod parecem um bocadinho forçadas, descontextualizadas e sem nenhum tipo de objectivo final que não o mostrar o que pode um rapaz vivo no meio dos mortos fazer. Embora seja seguindo estes momentos que nós o vamos conhecendo, a ele, ao seu tutor, Silas, à sua tutora substituta, Miss Lupescu, à sua amiga humana Scarlett, e aos mortos do cemitério, cada um deles com a sua particularidade, todos interessantes, sendo que a minha preferida é Liza, uma bruxa de olhos cinzentos, enterrada sem lápide, que é o maior castigo que se pode dar a um morto, ficar no anonimato para toda a vida. Bod, sensível para lá do humanamente possível, rapidamente se apercebeu disto e fez a sua primeira incursão no mundo real apenas para lhe arranjar a lápide. O que criou mais uma, como diria Heisenberg, impossibilidade quântica, porque por causa disto Liza apaixonou-se por Bod, o que a fez, novamente, morrer de amor. Isto é uma interpretação pessoal. E a vida continuou e a morte também. Bod visita as tumbas secretas do cemitério, encontra uns seres super esquisitos chamados ghouls, necrófagos que adoptam o nome do primeiro morto que comeram e vivem numa cidade só deles. Curiosos os nomes, que vão desde o arcebispo da Cantuária, do trigésimo terceiro presidente dos Estados Unidos, o duque de Westmisnster e o famoso escritor Victor Hugo. Quando estava quase a ser comido, é salvo pelo cão de Deus, um lobisomem enorme tipo new moon com a particularidade de ser antes uma lobimulher, mais concretamente, a Miss Lupescu, sua tutora substituta. Enfim, aventuras algo pueris, que me fizeram adormecer várias vezes, se calhar porque devo andar a atravessar uma fase muito adulta. Até que, um dia, Bod sentiu um ambiente diferente em todo o cemitério. Os mortos andavam mais ... vivos que habitualmente. Era o dia da Danse Macabre, que ao contrário do que o nome indica e embora seja efectivamente uma dança, não é puto macabra, antes é muito bonita. Nesse dia, os mortos acordam cedinho, vestem as suas melhores roupas e saem em cortejo do cemitério, até à cidade. Aí chegados, cada morto pega respeitosamente na mão de um vivo e convida-o para dançar, convite esse que é aceite e que dá origem a um festival de dança entre mortos e vivos, uma espécie de confirmação que somos todos iguais, com a diferença de os mortos já terem sido o que foram e não sofrerem mudanças durante a sua morte, enquanto que os vivos ainda não foram tudo aquilo que podem ser, indo passar o resto da sua vida a mudar, até morrer. A dança é sempre a mesma, a única coisa que muda é de que lado se estás. Mas a dança, em si, é incontornável. Não falei ainda de Silas, o guardião de Bod e, para mim, a personagem mais interessante do livro. Não falei eu nem falou o autor, que se limita a mostrá-lo impassível, vestido de preto , sempre de noite e a dizer coisas sempre acertadas. É pena. Gostaríamos de o conhecer melhor. Não falei ainda de Jack, o assassino. Que não era só um, eram de facto uma sociedade secreta de Jacks que tentavam contrariar uma profecia de que um rapaz haveria de nascer que seria capaz de andar na fronteira entre os mortos e os vivos. E, pelo vistos, isso poria em causa a tal sociedade secreta dos Jacks, embora não se perceba bem porquê. Provavelmente não será importante. Existem os maus, e eles são os Jacks. Existem os bons, que se chamam a Guarda de Honra e que destruíram os Jacks desde há muito tempo para cá, e da qual fazem parte Silas, Miss Lupescu e uma múmia com asas, se é que não me enganei na tradução. Se calhar enganei-me mesmo. Nunca vi em lado nenhum uma múmia com asas. Mas por acaso até acho original. E muito fixe.
Enfim. Algumas conclusões: As ideias de base são óptimas e o livro está cheio daqueles pormenores que eu gosto muito. É um livro aberto, que nos permite pensar e inventar coisas novas com base nesta base tão boa que ele nos dá. Mas também me parece um livro apressado, em que se vislumbram esboços de ideias e de sentimentos que não conseguimos agarrar bem, por serem tão ... rápidos. Tão leves. Identificamo-nos e gostamos muito de Bod, das suas angústias e dos seus problemas, mas quando o queremos ajudar e dar-lhe conforto parece que ele não nos dá confiança para tal e nos quer manter a uma certa distância. Mais uma vez porque as coisas não estão suficientemente desenvolvidas. É um livro à pressa, que quando nos esticamos para o agarrar (e porque ele merece sem dúvida ser agarrado) ele nos foge, entre os dedos, seja porque é demasiado fino, seja porque é pouco denso. O que são sinónimos, mas não deixam de ser verdades. E, digo eu, Silas deve ser um vampiro. Parece-me...

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