Toda a gente sabe que a Cinderela começou
mal. Aquela história de ter sido oprimida pela madrasta e pelas irmãs era mesmo
verdade. Felizmente que tudo acabou bem, uma vez que Cinderela foi resgatada a
esta vida pela fada madrinha, que lhe proporcionou os meios para se tornar
notada aos olhos do príncipe encantado, tendo assim encontrado o amor eterno.
Bem... Isso é o que vem nos livros dos contos de fada. E toda a gente sabe que
a vida não é um conto de fadas. A verdade é que nem tudo foram rosas. Nem tudo
nem quase nada. Para começar, o impacto da fada madrinha na vida da Cinderela
foi muito mais negativo do que toda a gente pensa. Aquela historia de só poder
ter as coisas até a meia noite foi profundamente traumático para ela, pois
quando finalmente se estava a começar a divertir e a cativar toda a gente a sua
volta, nas festas, Cinderela tinha que desatar a fugir para não ser apanhada
vestida de farrapos e cheia de ratos e abóboras a sua volta. É hoje aceite sem
reservas por todas as escolas de psiquiatria e psicologia que, pior do que não
ter as coisas que se deseja, e tê-las apenas mediante condições que não se
controla e ter que viver com o sentimento constante de que, a qualquer momento,
elas irão desaparecer e que não nos pertencem verdadeiramente. Chama-se a isto o
síndroma da perda latente. E eu sei o que isto é. E não sou só eu... Para além
disto, a fada madrinha foi uma péssima conselheira sentimental, ou seja, não
podia ter escolhido pior marido para Cinderela. Explicando melhor: todos nos já
teremos parado para pensar quão esquisita era a profusão de príncipes
encantados no mundo dos contos de fadas. Caramba. Parecia que se davam pontapé
numa pedra e saía debaixo dela um príncipe encantado preparadinho para dar o
beijo, receber o beijo, matar o dragão po, calçar o sapato... Obviamente que o
príncipe era sempre o mesmo. Sim. O príncipe que beijou a Branca de Neve, que
beijou a Bela Adormecida, que matou o dragão e que esteve algum tempo
transformado em sapo era sempre o mesmo. Chamava-se Encantado e era uma peça
jeitosa... E que casou com elas todas, não conseguindo fazer nenhuma delas
feliz. Assim sendo, e perante uma tão grande diversidade de noivas presentes,
passadas e futuras, Encantado não sabia ser fiel e, no que diz respeito a
Cinderela (segunda mulher, penso eu), por e simplesmente não a conseguiu fazer
feliz a não ser no que ao sexo diz respeito. Mas mesmo neste aspecto, apenas
nos primeiros tempos..l e alguém conhece alguma relação que se aguente
duradouramente apenas com sexo ? Eu não... Recém-divorciada, Cinderela resolveu
dedicar-se aos negócios abrindo, num assomo de ironia, uma sapataria. Em
Fabletown, canto de nova iorque de que já falamos nestas páginas. Mas mesmo
exercendo profissionalmente, mesmo indo as feiras de calçado internacional de
Madrid, Roma e afins, não se sentia realizada, sendo o ponto alto da sua semana
o almoço com as outras ex mulheres de Encantado, tornando-se esse almoço um
momento de catarse colectiva no que diz respeito ao desopilamento do fígado.
Bigby, o Lobo Mau, na altura o xerife de Fabletown, apercebeu-se não só disso
mas dos inúmeros talentos ocultos que Cinderela apresentava. E contratou-a para
espia de Fabletown... A lista de missões de Cinderela é enorme, podendo mesmo
dizer-se que teve um papel fundamental na vitoria sobre o imperador e na
reconquista das Homelands. Foi ela que, sozinha, recuperou Pinóquio das garras
de Gepeto que, recordemos, era o verdadeiro cérebro por trás do imperador. Foi a vida de agente secreta que Cinderela
passou a ter que lhe permitiu ajustar contas com a sua infância e livrar-se de
grande parte dos traumas que ainda tinha, bem como acertar contas com quem lhe
tinha tentado arruinar a vida. A madrasta e as irmãs ? Não, claro que não.
Essas eram apenas conjunturais. Encantado, o Príncipe infiel? Também não, mais
que não fosse por ele se ter redimido do passado inconsequente que teve e, antes de morrer,
ter levado à letra a sua condição de herói e ter conduzido (enquanto Mayor), as
Fables à vitória e à liberdade. Então com quem ajustou contas Cinderela? Com a
fada madrinha, obviamente, num cenário de alguma complexidade cuja descrição
não é o principal objectivo destas apressadas linhas que aqui escrevo.
Abreviando, podemos dizer que a Fada Madrinha tinha plena consciência que o seu
principal defeito era os seus feitiços serem de curta duração e,
inteligentemente, escolheu para tiranizar um mundo daqueles tipo Gronelândia,
em que a noite dura seis meses e, assim sendo, os seus feitiços também. Assim
sendo, tecnicamente, teria apenas uma meia noite por ano e, se conseguisse
resolver essa transição, então poderia reinar sem restrições o resto do ano.
Enfim… Technicalities, como diria a Vitória. Cinderela, após uma profunda
investigação na companhia de Aladino, descobriu todas as tramas da Fada
Madrinha, confrontou-a e, não lhe tendo dado o verdadeiro golpe de
misericórdia, deixou-a nas mão dos habitantes da planeta que ela aterrorizou. O
que foi dar no mesmo, uma vez que estes não hesitaram em fazer-lhe a folha. Á
fada. Á Cinderela, quem a fez foi o Aladino. Juntando as suas qualidades como
espia e agente secreto à sua beleza, forma física e sentido de humor, Cinderela
é para mim uma das personagens mais importantes das Fables o que pode ser
perfeitamente pueril para o mundo, mas é muito importante para mim.
28.8.12
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