8.2.14

59 - the good man jesus and the scoundrel christ












Philip Pulmann foi responsável por um dos melhores livros que eu já li. Cruzava fantasia com aventura, todos à volta de uma carga filosófica muito intensa e, acima de tudo, coerente. Metia também ursos blindados, que sempre tinha sido mas eu nunca me tinha apercebido, o meu animal favorito. Todas as pessoas tinham um génio que tomava a forma de um animal, e penso que nunca nada me comoveu tanto como a descrição que ele fez da operação que tinha como objectivo separar uma criança do seu génio. O livro, ainda por cima, eram três e eram os três muito bons, cada um deles no seu registo, ambiente e personalidade própria. O livro chamava-se os reinos do norte e nunca até hoje percebi qual dos três gostei mais. Sempre achei estranho um escritor deste quilate não ter publicado mais nada, mas como nunca consegui deixar de sentir uma sensação de incredulidade relativamente aos reinos do norte, como se fosse demasiado bom para ser verdade a sua própria existência, confesso que senti medo de investigar o resto da sua obra e fui andando, acreditando que mais à frente nos cruzaríamos novamente. E assim aconteceu, embora tenha que confessar que fiz batota. Depois de meses e meses a ler policiais bons mas sempre no mesmo registo, depois de vários meses sem ler quase nada, procurei deliberadamente um escritor em que confiasse e encontrei um livro que, antes de se poder considerar bom ou mau, é decididamente um livro diferente. Então era assim. Há mais ou menos dois mil anos, uma mulher chamada Maria teve dois filhos gémeos. A um chamou Jesus e a outro chamou Cristo. Jesus era extrovertido, simpático, forte, afirmativo, sempre a procurar situações de desafio... Cristo era uma espécie de antónimo positivo do irmão; positivo porque era igualmente um rapaz bom. Antónimo porque era introvertido, reservado, meditativo, fraco fisicamente e muito avesso a confusões. Os dois viveram em conjunto durante os trinta anos de que a bíblia não fala, como se fossem uma única pessoa, mas a partir de certa altura os seus caminhos divergiram. Embora com o mesmo objectivo final, cada um deles via a vida e o mundo e todo o resto de uma forma diferente. Jesus começou a pregar a palavra de Deus e a realizar milagres Galiléia adentro. Cristo tornou-se o seu cronista e registava tudo aquilo que o irmão fazia e dizia, mas sem que este o soubesse. Jesus queria criar um novo mundo; Cristo também, mas de uma forma ligeiramente diferente. Cristo achava que toda a obra do irmão só faria sentido se desse origem a uma organização que fundamentasse a religião que Jesus estava a criar e que sem esta organização esta obra não perduraria e não teria qualquer impacto no mundo. Essa organização ajudaria a humanidade a suportar todos os mistérios, injustiças e compromissos que a vida inevitavelmente acarreta. Essa organização educaria as crianças numa perspectiva correcta, cuidaria dos doentes, alimentaria os necessitados, administraria a justiça e a benevolência,  inspiraria a arte e a música, enfim, tornaria bom o mundo mau. Cristo estava assim apanhado entre dois fogos. Por um lado sabia que o irmão era puro e estava certo naquilo que desejava para a humanidade. Por outro lado sabia que seria necessário algum calculismo e mesmo algum trabalho sujo para que o Reino pudesse efectivamente chegar. Jesus, por sua vez, sendo um idealista puro, não lhe faltava a inteligência para ver o rumos que as coisas estavam a tomar. Sabia que a melhor maneira de o diabo entrar nos homens é pela porta que fica aberta quando estes acreditam que estão a trabalhar em nome de Deus. Em pouco tempo surgirão listas de castigos para todo o tipo de actividades inofensivas, surgirão pessoas a ser apedrejadas, açoitadas e chicoteadas pr causa do que comem, do que vestem, do que lêem e do que pinam. Em pouco tempo as pessoas que julgam que estão a fazer o trabalho de Deus constroem palácios e templos, fazendo com que tudo isso seja pago pelos pobres, em impostos em nome de Deus. E quanto mais poder estas pessoas angariarem, mais medo vão ter de o perder, e vão construir tribunais para queimar aqueles que acham que são pagãos e heréticos. E vão inventar guerras santas, e cruzadas, e a guerra perpetuar-se-á. Angustiado por tudo isto, Jesus questiona o pai, pedindo orientação e que Este lhe indique o caminho certo. tal, como todos sabemos, não acontece. A partir daí acontece a História. Os poderes religiosos instituídos acham que Jesus foi longe demais e resolvem condená-lo. Roma lava tranquilamente as mão, pensando que está a elimiar um terrorista e jesus acaba na cruz, depois de ter sido denunciado não pelo beijo de Judas, mas sim pelo beijo do irmão. De cristo. Que depois, arrependido, vai tirar Jesus da tumba e apresenta-se ele próprio aos apóstolos, criando assim o mito da resurreição. E fazendo com que os apóstolos espalhassem a palavra, o que deu no que deu...

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