Jean Christophe Grangé
Um médico funda uma ONG para
roubar corações pelo mundo fora, não sob o ponto de vista sentimental (eu
estou-me a ver a capitalizar sentimentalmente a ONG que criei, atraindo para
mim dezenas de intelectuais de esquerda femininas, bonitas, liberais, etc), mas
do ponto de visto completamente físico, ou seja, abrindo o peito das vítimas
com requintes de tortura inescrevíveis e arrancando o coração das vítimas, para
depois os ir enfiar no peito de clientes europeus cardiacamente insuficientes e
economicamente excedentes. Por outro lado, um suíço ex-colaborador de Bokassa
na sua ditadura na República Centro Africana, onde era capataz das suas minas
de diamantes, resolve estabelecer-se por conta própria, e ficar com os diamantes
para si. Assim sendo, continua a minerar os diamantes e a contrabandeá-los
fazendo uma espécie de aumento de natalidade mineral. Em vez de fazer vir a si
as criancinhas nos bicos das cegonhas, situação que quase toda a gente cria uma
ou duas vezes na vidas, amarra os diamantes minerados nas pernas das cegonhas e
manda-os para onde eles interessam e dão dinheiro, ou seja, para a Europa.
Estupidez, diz qualquer um de nós farto das fugas para a frente presentes nos
livros e nas séries quando as coisas se complicam de tal maneira que, em vez de
qualquer coisa com lógica, os escritores / argumentistas inventam uma cena
mirabolante qualquer que tudo explica e tudo explicaria na mesma mesmo que nada
explicasse. Tipo, foram os extraterrestres, querida. Não é o caso, aqui. Ao que
parece, as cegonhas têm efectivamente padrões migratórios completamente
rígidos. As suas migrações começam sempre no mesmo sítio e acabam sempre no
mesmo sítio, tipo as viagens de férias das famílias de classe média. E além
disso, as cegonhas voam mesmo muito e mesmo depressa, sendo que poderão atingir
10.000 kms numa viagem de fim de Verão. Não foi à toa que foram escolhidas por
Deus para fazer a distribuição da natalidade ou, pelo menos, para ser o símbolo
da distribuição da natalidade. Qual renas. Qual Pai Natal... Por fim, temos um miúdo
penso que francês cujos pais e irmão foram mortos por Bokassa na RCA quando
este tomou o poder. Foi adoptado por amigos da família e contratado, 30 anos
depois pelo suíço para seguir as cegonhas e perceber porque é algumas delas não
trouxeram os diamantes. Obviamente que o suíço não falou ao miúdo dos
diamantes. Provavelmente tinha esperanças que ele não os descobrisse sozinho.
Correu mal. Acontece que, como em qualquer bom livro, estes personagens
principais estavam completamente enrolados uns nos outros. Tipo o suíço contratou
o francês para ir atrás das cegonhas (já disse isto, eu sei), o médico meteu o
coração do filho do suíço no peito do suíço enquanto procurava corações
compatíveis para o seu próprio filho doente há mais de vinte anos, filho esse
que era irmão do… miúdo francês, que acabou por ser filho do médico. Enfim…
Podia dizer que acabou tudo bem, mas nos livros deste senhor nunca acaba tudo
bem. E embora comecemos a detectar alguns padrões repetitivos nos seus livros (tais
como o facto de o passado ser sempre muito mais importante que o presente, tal
como a inevitável descrição / denúncia de uma qualquer ditadura sangrenta
africana ou sul americanas, tal como o protagonista principal ser sempre um
herói improvável cheio de disfuncionalidades e questões complicadas ou tal como
o facto de os crimes serem muito muito horríveis), o facto é que os livros
continuam a ser bons. E há sempre paisagens naturais virgens e algum tipo de
descoberta natural. Desta vez houve pigmeus. Surpreendente.
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