Passada a euforia inicial, acho que já consigo articular meia dúzia de ideias sobre o assunto. Digo euforia inicial porque de facto fiquei várias vezes eufórico enquanto via esta série. Ao ponto de publicitar em várias direcções que esta era a melhor série de há muito tempo para cá, e de tentar obrigar toda a gente a vê-la. Erro táctico. Vou mais uma vez ser acusado de viver no realismo fantástico, de acreditar em elfos e não ter filtros anti-ridículo. E daí talvez não, porque longe vai o tempo em que os conhecidos mais chegados levavam à letra as minhas recomendações, chamemos-lhe assim, culturais. A euforia, no entanto e a meu ver, era perfeitamente justificada. Oito pessoas nasceram no mesmo momento e, a partir de uma certa altura, começaram a misturar as suas sensações e os seus sentimentos com os dos outros sete, sem conseguirem estabelecer um padrão comportamental perceptível. Isto tudo lançado por um genérico brilhante, que se pode ver clicando no título a laranja acima e que, assim sendo, me dispenso de comentar , sequer. E depois, olhando para os personagens, temos um homem que se transformou em mulher via operação mas que conservou o bom gosto e arranjou uma namorada. O que parece lógico, dizemos nós todos, mas acontece que logo na primeira cena de sexo entre as duas, verificamos que quem usa o cinto (e durante bués de tempo) é a mulher no ex-homem. Depois de uns breves instantes de alguma (e aqui a palavra brasileira aplica-se mesmo) baralhação, logo reflectimos que afinal faz sentido, porque se ela quisesse usar a pila não a teria mandado cortar. Quando ainda ruminamos o que isto nos faz sentir, passamos para uma dj lindíssima que põe ao rubro com os seus sets uma qualquer mega-discoteca em Londres. Embora não me entusiasme muito com dj's, que geralmente mais não são que vampiros do talento dos outros, confesso que já estava rendido mesmo antes de saber que ela era islandesa... Não foi preciso mais nada para explodir em mim uma paixão cinematográfica intensa como não acontecia desde a Sharon Stone. Continuamos e eis que nos surge um galã de cinema mexicano, de filmes de acção, completamente galã mexicanode filmes de acção mas que mal tem uma folhinha corre para os braços do verdadeiro amor da sua vida, com o qual pina profusamente. O amor da sua vida não engana em termos de género, uma vez que é mesmo um amor. Um amor de homem. Para disfarçar, arranja uma namorada (mulher) escaldantíssima tão fixe tão fixe que dorme no meio deles todas as noites e que se derrete completamente sempre que os vê pinar. E a seguir vem uma coreana magrinha CEO da empresa do pai mas eternamente por este preterida em favor do irmão palerma e desonesto, e que para se livrar dessas frustrações desanca metodicamente em adversários demasiado seguros de si em combates ilegais, daqueles em que toda a gente berra apostas de tal mareia que nunca consegui perceber como o corretor as processa. E depois vem um queniano motorista de uma furgoneta tipo chapa moçambicano, que se chama Van Damme. Quem é que se chama Van Damme? O rapaz ou a furgoneta ? Os dois. Juro que esta parte da trama se passa na Beira, uma vez que os cenários são igualzinhos à zona do Canal A2 montante, já perto da bacia de retenção, onde as escavadoras se vão ver gregas para não se afogarem quando forem fazer a obra. Quem falta ? Uma bióloga indiana linda de morrer, devota de Ganesh e que é por sua vez endeusada pelo noivo, que é tipo a mistura perfeita entre o indiano moderno e o galã de Bollywood. Meu Deus, que cena perfeita, aquela em que este noivo aparentemente perfeito a pede em casamento. Mas, e como eu bem sei, a perfeição não serve para nada, apenas aborrece as pessoas e o facto é que ela não gosta dele e está morrinha por cancelar o casamento. De quem ela gosta é do sétimo elemento do grupo, um alemão de leste que cresce estigmatizado pelos colegas ocidentais, que o consideram alemão de segunda e que cresce também traumatizado no meio de uma família de bandidos hardcore. Este não fala lá muito, e quando fala o inglês é péssimo. Curiosamente, é ele que desencadeia o momento mais bonito da série, a saber, quando canta em karaoke a música das 4 morenas, que acaba por se propagar por todos eles. Resta o polícia de Chicago, um gajo tão normal que até chateia. Canta bem. Esta comunhão poderia dar azo a momentos brilhantes e a verdade é que dá. As cenas de luta, o sexo colectivo, as 4 non blindes e, acima de tudo, a cena do concerto em que o pai da islandesa toca tão bem que faz com que todos os 8 revivam o momento em que nasceram, e de maneira a que todos nós vemos. Haja coragem. Muito foi e será dito contra esta série, provavelmente com argumentos correctos. A acusação maior é que é panfletária, querendo enfiar-nos garganta abaixo a homossexualidade, abusando no sexo homo, provavelmente para nos habituar a que também é bom. A verdade é que me estou nas tintas, quer para o sexo homossexual quer para o panfletarismo. Quero lá saber. O que me interessa é que a série é original, bonita e que me proporcionou momentos de arregalar os olhos em frente a um ecrã. O que nestes dias em que cada vez há mais produção mas em que falta muito a imaginação, já é bem bom.
18.10.15
penny dreadful
penny dreadful
Aconteceu uma coisa inexplicável quando comecei a relacionar-me com esta série. Não conseguia deixar de pensar na Jodie Foster, com um daqueles chapéus pequenos com uma rede preta a tapar metade da cara. Porquê? Não faço idéia, mas tratando-se de uma série sobre o inexplicável, não me preocupei muito porque achei esta inexplicabilidade coerente. Mas a verdade é que isto deve ter contribuído como um agente dissuassor, porque passei meses sem que se acendesse em mim a chispa necessária para começar a ver. Achei que ia ser mais do mesmo, e confesso que já não tinha muita pachorra para zombies e vampiros. E, obviamente, ou seria um ou seria outro. Achava eu. Um dia, lá comecei a ver e impressionei-me imenso com o genérico. Diga-se de passagem rápida que estes estão cada vez melhores e que as últimas obras de arte que eu vi foram genéricos de televisão. Velas Negras, Sense 8, Game of Thrones, este Penny Dreadful, Sleepy Hollow... Este não é propriamente bonito... eu diria que é, sei lá, denso... denso é uma palavra apropriada... A série começou com um previsível Jack o Estripador, o que me fez levantar uma sobrancelha com algum enfado, mas uma farpa de realidade acertou-me logo que as duas prostitutas comentaram o destino da ex-colega. Logo a seguir apareceu o vampiro, o que quase me fez levantar da cadeira e ir embora. Só não o fiz porque estava no sofá. Mas logo acalmei, porque era um vampiro feio, velho e enrugado, tipo Bela Lugosi mas careca e nu. Tinha zero de glamour, mas metia bués de medo. Fui assim mergulhando numa mistura de realismo com romantismo, ou talvez vice-versa, em que os inevitáveis clichés vitorianos desfilam mas com atitudes e novidades nunca antes por mim imaginadas, sequer, que fará observadas. Tipo, estava lá o Frankenstein, mas desta vez criou uma criatura sensível, inteligente e não extremamente feia, ao ponto de começar a interagir com a dita (criatura). E quando tudo estava a correr bem, quando achavamos que tinham destruído um cliché e que a famosíssima criação de frankenstein era afinal um gajo fixe, eis que aparece a verdadeira e primeira criação de Frankenstein, que afinal não é um gajo fixe e que mata a sua segunda versão, cumprindo assim o cliché. E a seguir aparece o Dorian Gray, absolutamente perturbador, a fazer aquilo que o Oscar Wilde não teve coragem para pôr no livro e, muito provavelmente, indo ainda mais além. Este Dorian Grey bebia absinto às goladas, ouvia música eruditamente, fazia sexo com prostitutas infectadas com tuberculose para, e penso que foi ele que se referiu a este acto nestes termos, foder a morte, apostava em quantas ratazanas é que um cão de uma qualquer raça inglesa famosa matava em 60 segundos, e por aí fora... e ainda teve tempo para possuir sexualmente um americano que é o homem de acção do grupo e que só percebemos qual o seu verdadeiro enquadramento quando, no últimos episódio, se transforma naquilo que viria a ser o primeiro lobisomem americano em Londres. Mas muito mais acontece, nesta série que, pouco a pouco e sem qualquer subtileza, vai escalando sempre até ao ponto de perder completamente as estribeiras, mas conseguindo sempre manter-se séria... a série... a sério...
sleepy hollow
Confesso que embora já várias vezes tivesse pensado em rever o filme, não tinha lá muita apetência por ver esta série. Principalmente por achar que não ia acrescentar nada de novo aquilo que já conhecia, por achar que não ia ter um crescimento cultural proporcional ao tempo que ia dispender a vê-la. Estava (e ainda estou) refém daquela sensação de inutilidade latente causada por estar a dedicar demasiado tempo ao entretenimento puro, tipo, a vida é trabalhar de dia para ver séries à noite? É para isto que me esforço e correr para o sofá mal posso? É nisto que penso durante o dia quando me aborreço no trabalho a, chamemos-lhe assim, a trabalhar ? Atribuo estes devaneios ao marasmo social que atravesso actualmente, em que de facto os dias são trabalho-casa-trabalho-casa-etc... Em tempos idos, tinha tantas outras coisas (primeiro boas e depois más) que me monopolizavam o estado de espírito que, quando me sentava a ver séries ou filmes, via-os concentradamente, e quando acabava de os ver ia viver a vida ou então, numa segunda fase, pensar na vida. Agora que as hormonals acalmaram e o inevitável acabou por se instalar, vejo as séries mas preocupo-me se não estou a desbaratar demasiado tempo (e demasiado cérebro) nessa actividade. Não tendo chegado a nenhuma conclusão quanto a isso, decidi ser razoável e ver o raio das séries sem drama, até porque feitas as contas, isso ocupa-me 50 minutos por dia, aproximadamente o mesmo tempo que passo diariamente na casa de banho, contando obviamente com o banho, o tempo de leitura na sanita e a recuperação pós corrida, uma vez que tenho que parar de suar antes de ir para o banho. Senão não vale a pena. Tomar banho. Adiante... Estando assim resolvido o problema da legitimidade no puramente lazer, ainda assim tenho um bichinho cá dentro que não me deixa sossegado se não tentar dar alguma utilidade ao tempo despendido. Não sei onde está, o bichinho, se soubesse já o tinha encaminhado intestinamente para que deixasse de me aborrecer. Assim sendo, continuo a tentar que o lazer televisivo tenha algum retorno. Estas linhas pretendem ser o retorno das dez horas que passe a ver a primeira temporada. Que estas linhas terão algum interesse, não tenho grandes dúvidas. Que falem muito da série, isso, é que não me parece que vá acontecer sempre. Ichabod é um soldado inglês que começa logo a tornar-se um gajo fixe porque, na guerra civil americana, não só muda de lado como se torna uma espécie de agente secreto de George Washington, via maçonaria, obviamente. Nessas funções, conhece todos os notáveis daquela época, tipo Benjamin Franklin, Paul Revére, enfim, os pais fundadores todos... Ainda que profundamente idealista, Ichabod não teme por as mãos na massa, e no meio de uma batalha, mata aquela que vimos a descobrir mais tarde que é a própria morte, cortando-lhe a cabeça... Tipo aquele dia que a morte foi atrás do Woody Allen mas como este não lhe abriu a porta, foi à volta, subiu pela fachada, escorregou num parapeito, caiu cá abaixo, partiu o pescoço e morreu. A morte morreu mas ressuscitou embora em abono da verdade se deva dizer que os autores foram coerentes e a morte teve que continuar a, chamemos-lhe assim, viver sem cabeça. Ichabod, no entanto, não saiu ileso e acabou enterrado pela própria mulher feiticeira para assim escapar à morte pela morte. Acorda 200 anos depois e ei-lo que passa a ser o Patrick Jane da polícia não sei de que cidade, sendo que a tenente é uma moçoila castanha muito muito recomendável. Que, por sua vez, tem uma irmã que, à sua maneira mais fria, é também bastante... recomendável. As duas irmãs viram um demónio qualquer no bosque quando eram crianças, tendo uma seguido em frente e tendo-se tornado polícia, e a outra estagnado no trauma e acabado num hospício. Esse demónio era o empregador do cavaleiro sem cabeça, que por sua vez era, como já vimos, a morte, ou seja, um dos quatro cavaleiros sem cabeça... estou a brincar. Um dos quatro cavaleiros do apocalipse, queria eu dizer. Entre o diabo e os cavaleiros do apocalipse existem uns intermediários alemães, de uma seita qualquer, mas que são tão secundários e desnecessários para a trama que até acho que desaparecem a meio. Estando toda esta tenda armada, Ichabod e a tenente personificam Lisbon e Jane e tentam impedir que o tal demónio apocalipse o mundo. Ichabod é, sem dúvida, a alma da série, na sua constante tentava de adaptação ao mundo moderno, as suas roupas antigas, linguagem cuidada (óptima) e pensamento político não corrompido. Tipo aquela vez em que se indignou com o valor do iva. Vinte por cento? Nós fizemos uma revolução por causa de quatro... A série é, ao contrário de tantas outras e ao contrário do que eu costumo gostar, boa pelos momentos isoladamente, em detrimento de uma história contínua que, de facto, não acrescenta nada. Fixe fixe é os flash-backs dele ao passado (onde conhecia toda a gente) e a análise que ele faz do mundo moderno à luz dos ideias ainda não corrompidos da revolução americana. Que foi, na minha opinião, muito mais importante para a iluminação cultural ocidental que a francesa. Não sei se este encanto de novidade e quase juvenil vai passar para as próximas temporadas... Não será fácil e se esse encanto se perder, vamos estar a braços com mais uma série que vai começar a fugir para a frente até ao ponto em que já ninguém entende nada e todos sejam, provavelmente, zombies. Temo isso não só porque não gosto dos diálogos dos filmes de zombies, mas porque a série acaba por ser circular. Ichabod acaba como começou, enterrado num caixão sem que antes tenha morrido para justificar esse estatuto.
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