18.10.15

sense 8

Passada a euforia inicial, acho que já consigo articular meia dúzia de ideias sobre o assunto. Digo euforia inicial porque de facto fiquei várias vezes eufórico enquanto via esta série. Ao ponto de publicitar em várias direcções que esta era a melhor série de há muito tempo para cá, e de tentar obrigar toda a gente a vê-la. Erro táctico. Vou mais uma vez ser acusado de viver no realismo fantástico, de acreditar em elfos e não ter filtros anti-ridículo. E daí talvez não, porque longe vai o tempo em que os conhecidos mais chegados levavam à letra as minhas recomendações, chamemos-lhe assim, culturais. A euforia, no entanto e a meu ver, era perfeitamente justificada. Oito pessoas nasceram no mesmo momento e, a partir de uma certa altura, começaram a misturar as suas sensações e os seus sentimentos com os dos outros sete, sem conseguirem estabelecer um padrão comportamental perceptível. Isto tudo lançado por um genérico brilhante, que se pode ver clicando no título a laranja acima e que, assim sendo, me dispenso de comentar , sequer. E depois, olhando para os personagens, temos um homem que se transformou em mulher via operação mas que conservou o bom gosto e arranjou uma namorada. O que parece lógico, dizemos nós todos, mas acontece que logo na primeira cena de sexo entre as duas, verificamos que quem usa o cinto (e durante bués de tempo) é a mulher no ex-homem. Depois de uns breves instantes de alguma (e aqui a palavra brasileira aplica-se mesmo) baralhação, logo reflectimos que afinal faz sentido, porque se ela quisesse usar a pila não a teria mandado cortar. Quando ainda ruminamos o que isto nos faz sentir, passamos para uma dj lindíssima que põe ao rubro com os seus sets uma qualquer mega-discoteca em Londres. Embora não me entusiasme muito com dj's, que geralmente mais não são que vampiros do talento dos outros, confesso que já estava rendido mesmo antes de saber que ela era islandesa... Não foi preciso mais nada para explodir em mim uma paixão cinematográfica intensa como não acontecia desde a Sharon Stone. Continuamos e eis que nos surge um galã de cinema mexicano, de filmes de acção, completamente galã mexicanode filmes de acção mas que mal tem uma folhinha corre para os braços do verdadeiro amor da sua vida, com o qual pina profusamente. O amor da sua vida não engana em termos de género, uma vez que é mesmo um amor. Um amor de homem. Para disfarçar, arranja uma namorada (mulher) escaldantíssima tão fixe tão fixe que dorme no meio deles todas as noites e que se derrete completamente sempre que os vê pinar. E a seguir vem uma coreana magrinha CEO da empresa do pai mas eternamente por este preterida em favor do irmão palerma e desonesto, e que para se livrar dessas frustrações desanca metodicamente em adversários demasiado seguros de si em combates ilegais, daqueles em que toda a gente berra apostas de tal mareia que nunca consegui perceber como o corretor as processa. E depois vem um queniano motorista de uma furgoneta tipo chapa moçambicano, que se chama Van Damme. Quem é que se chama Van Damme? O rapaz ou a furgoneta ? Os dois. Juro que esta parte da trama se passa na Beira, uma vez que os cenários são igualzinhos à zona do Canal A2 montante, já perto da bacia de retenção, onde as escavadoras se vão ver gregas para não se afogarem quando forem fazer a obra. Quem falta ?  Uma bióloga indiana linda de morrer, devota de Ganesh e que é por sua vez endeusada pelo noivo, que é tipo a mistura perfeita entre o indiano moderno e o galã de Bollywood. Meu Deus, que cena perfeita, aquela em que este noivo aparentemente perfeito a pede em casamento. Mas, e como eu bem sei, a perfeição não serve para nada, apenas aborrece as pessoas e o facto é que ela não gosta dele e está morrinha por cancelar o casamento. De quem ela gosta é do sétimo elemento do grupo, um alemão de leste que cresce estigmatizado pelos colegas ocidentais, que o consideram alemão de segunda e que cresce também traumatizado no meio de uma família de bandidos hardcore. Este não fala lá muito, e quando fala o inglês é péssimo. Curiosamente, é ele que desencadeia o momento mais bonito da série, a saber, quando canta em karaoke a música das 4 morenas, que acaba por se propagar por todos eles. Resta o polícia de Chicago, um gajo tão normal que até chateia. Canta bem. Esta comunhão poderia dar azo a momentos brilhantes e a verdade é que dá. As cenas de luta, o sexo colectivo, as 4 non blindes e, acima de tudo, a cena do concerto em que o pai da islandesa toca tão bem que faz com que todos os 8 revivam o momento em que nasceram, e de maneira a que todos nós vemos. Haja coragem. Muito foi e será dito contra esta série, provavelmente com argumentos correctos. A acusação maior é que é panfletária, querendo enfiar-nos garganta abaixo a homossexualidade, abusando no sexo homo, provavelmente para nos habituar a que também é bom. A verdade é que me estou nas tintas, quer para o sexo homossexual quer para o panfletarismo. Quero lá saber.  O que me interessa é que a série é original, bonita e que me proporcionou momentos de arregalar os olhos em frente a um ecrã. O que nestes dias em que cada vez há mais produção mas em que falta muito a imaginação, já é bem bom.

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