2.9.14

64 - eternal sunshine of the spotless mind













A ideia é fixe e lembrou-me, vá-se lá perceber, o Total Recall, mas um bocadinho ao contrário. Neste caso em vez de se estar a tentar implantar memórias falsas de acontecimentos supostamente bons nunca vividos, tenta-se apagar as recordações de acontecimentos supostamente maus efectivamente vividos. Um rapaz super tímido, mesmo mesmo  tímido, um dia resolve não ir trabalhar e faz uma coisa parecida com aquela música dos Belle and Sebastian que diz que, e passo a citar; “riding on city buses for a hobbie is sad...”. Resolve meter-se num comboio que faz o percurso inverso do que o leva todos os dias para o emprego e vai , chamemos-lhe assim, à aventura. Se é que se pode chamar aventura a passear em praias vazias no Inverno. Por mim pode-se. Nessa praia vê uma rapariga, que torna a ver na estação e pela qual é interpelado durante a viagem de volta, sendo que que quase foi por ela apanhado a desenhá-la. Palavra puxa palavra e eis que, depois de fazerem aquelas coisas poéticas tipo anjos na neve, andar em cima de gelo fino e passar a noite em claro a conversar, sem sexo, resolvem ir morar juntos. Aparentemente as coisas não correram bem e separaram-se por causa de uns disparates quaisquer que ele terá dito. Tipo que ela pinava com toda a gente porque era a única maneira que conhecia de dar uma impressão positiva de si própria. Palavras pesadas que fizeram com que ela se pussesse a andar, o que fez com que ele rapidamente se arrependesse do que tinha dito e, vários dias depois, a fosse visitar à biblioteca onde ela trabalhava. surpresa. Não só ela não se reconciliou, como em sequer o reconheceu. Furioso com a situação, vai queixar-se aos amigos comuns, que depois de algumas peripécias verbais que não interessam lá muito, lhe revelam a terrível verdade, na forma de uma carta lacónica enviada pelo consultório de um psiquiatra que diz que a miss qualquer coisa decidiu por livre vontade que todas as recordações relativas ao rapaz fossem apagadas do seu cérebro e que, nesse contexto, toda a sua envolvente deveria agir em conformidade. Mais uma vez furioso com a situação, o rapaz vai ao psiquiatra que, ao ver que ele tinha lido a carta, torceu imediatamente o nariz com aquele ar de que aquilo ia dar asneira, mas mesmo assim se prontificou para o ajudar. Depois de algumas conversas, o rapaz pediu ao psiquiatra que lhe fizesse o mesmo processo e que lhe apagasse a rapariga da mente, e aí começa a verdadeira confusão. A meio da implementação da terapia de esquecimento, que é feita em estado de inconsciencia, o rapaz resolve mudar de ideias, e a partir daí é a confusão total, com a vida real a misturar-se com as recordações e com as situação a dividirem-se entre as verdadeiramente vividas e as que poderiam ter sido vividas, e com os cenários das memórias a desmoronarem-se completamente e com ele a tentar a todo o custo escapar à destruição do seu passado. Confesso que aqui a situação se tornou tão paranóica e exagerada que o meu cérebro, em defesa da minha integridade intelectual, adormeceu e eu adormeci a seguir, por uns momentos. Quando voltei ao normal ainda consegui retomar o fio à meada, sendo que ambos se esqueceram um do outro, mas tornaram a reencontrar-se e a sentirem-se atraídos um pelo outro pouco tempo depois. No entanto, e para complicar,  ambos receberam uma cassete com as declarações proferidas e gravadas por cada um deles quando explicaram ao psiquiatra porque queriam apagar-se um ao outro. Obviamente, a cassete (enviada pela assistente abusada pelo psiquiatra e que foi por este intervencionada no sentido de o esquecer)  de um dizia cobras e lagartos do outro e assim eles viram-se confrontados com tudo o que de mal o outro tinha sem nunca terem tido oportunidade de o experimentar. Tipo: esse crepe de chocolate branco misturado com creme de ovos e envolvido em chantily com pedacinhos de oreo esmagados e aspergido de m and m’s, apesar de parecer bastante apetitoso, vai-te fazer mal ao estômago. Queres comê-lo na mesma ? Resulta afinal que tanto ele como ela eram pessoas normais e responderm afirmativamente... Como dizia o William Burroughs em qualquer sítio do Naked Lunch: wouldn’t you ?

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