Jack e a namorada são os dos últimos únicos humanos no planeta. A terra foi invadida e, embora a humanidade tivesse ganho a guerra, foram obrigados a usar bombas atómicas e deram cabo do planeta, tendo assim que emigrar para Titã, lua de Saturno (ou de Júpiter?). Jack e a namorada moram numa casa branquinha e tom tem uma nave branquinha e uma mota branquinha. Sendo ele branquinho também, de repente pareceu-me que estava a ver o Wall-E. Continuei a ver o filme, mas já não me consegui abstrair desta ideia e, inconscientemente, comecei a fazer comparações. Jack tem, efectivamente, muito mais vocabulário que Wall-e, mas apenas cerca de um décimo do carisma. Wall-E tinha como missão limpar o lixo que a humanidade tinha deixado ficar na Terra para, um dia no futuro, a terra estar novamente habitável. Jack andava a reparar os robots que, por sua vez, tomavam conta das torres que extraiam água do mar dos nossos oceanos e a mandavam para Titã, para essa água fornecer energia à humanidade lá exilada. wall-E era, assim, um reciclador enquanto Jack era um, sei lá, saqueador. Tom usa e abusa dos seus gadgets futuristas, tipo a nave, a mota, a arma, os óculos escuros enquanto que Wall-E alimenta a alma com as relíquas do passado que recolhe no meio do lixo. Confesso que aqui estou a ser injusto, porque também Jack é saudosista e tem uma cabana junto a um lago com um cesto de basquete e discos maus. Tom diverte-se (como qualquer homem se divertiria, aliás) com um dia-a-dia de condução / utilização de máquinas potentes, tiros no inimigo e sexo na namorada. Wall-E, enquanto isto, continua a arrumar... Dizia então eu que a humanidade estava toda em Titã e que os seus governantes estavam numa estação espacial chamada Tet, de onde davam ordens a Jack para manter a maquinaria a funcionar. Um dia, uma nave despenha-se e Jack descobre nos seus destroços cinco cápsulas com sobreviventes humanos no seu interior, sendo no entanto reduzidas a apenas um sobrevivente porque os drones arrumam logo com os outros quatro. o sobrevivente era uma. E, sendo bem bonita, Jack, animado pela fantasia latente em todos os membros do sexo masculino, leva-a para a sua casa branquinha e apresenta-a à sua namorada branquinha. Esta, por sus vez, age como as mulheres sempre agiram quando confrontadas com esta perspectiva e passa automaticamente a odiar a nova companhia. Jack, entretanto, já não me lembro se antes se depois, é capturado pelos últimos extra-terrestres que sobraram da invasão, e imediatamente estes lhe revelam que não são puto extra-terrestres, mas sim os verdadeiros e últimos humanos que existem. E os que estão em Titã ? Não existem humanos em Titã, Zé, quero dizer, Jack. É tudo tanga dos verdadeiros extra-terrestres, que estão em Tet e que só querem a nossa água salgada, por causa do hidrogénio para dele obterem energia ? Mas... mas.. então e eu e a... a...como é que ela se chama... a minha namorada... quem somos nós ? São clones, Zé, quero dizer Jack, do verdadeiro Jack e da verdadeira... ah... como é que ela se chama... da tua namorada. Clones ? Sim, parece que há sessenta anos, tu e ela foram enviados numa missão para explorar uma espécie de ovni, e entraram nesse ovni (tipo o Dave no 2001, que entrou no monólito) e foram automaticamente clonados. Mas para quê que me clonaram ? Para vos pôr a tratar das torres de extracção de água . Nos pôr ? Sim, porque eles criaram milhares de clones vossos, porque o mar é muito grande e há muitas torres de extracção. Volta à terceira pessoa para dizer que jack ficou assombradíssimo com estas notícias todas e, como consequência, escolheu a morena em detrimento da... da... namorada. E escolheu, pouco logicamente, acreditar em tipos mutip estranhos que tinha acabado de conhecer em detrimento de acreditar em todas as referências de toda a sua vida. Virou assim rapidamente a casaca e passou para o lado dos humanos e, com algum engenho, explodiu com o Tet, livrando assim a terra dos seus colonizadores extra-terrestres, podendo assim os não extra-terrestres, ficar com a sua água salgada e com o seu hidrogénio. não sei bem vindo de onde, aparece uma filha de Jack e da rapariga que veio na cápsula, prontamente adoptada por Jack 52... Chatice... esqueci-me de dizer que o Jack de que estive a falar era o Jack 49, e que o Jack 52, que com ele compartilhava as memórias foi quem encontrou a rapariga e a filha para perfilhar. E o Jack 48 ? e o 47 ? e o 46 ? o que lhes aconteceu. Não sei, e o filme também não. E a namorada do 48 ? e a do 47 ? e a do 46 ? O que lhes aconteceu. Também não sei, e o filme também também não (nota rápida - a repetição do também foi intencional). mas então é uma confusão. podes crer que sim. Mas então o filme deixa de ser bom ? Não, é até mesmo muito fixe. Mas o Wall-e era muito , muito melhor...
14.12.13
12.12.13
55 - ironman
Pá... Que seca. E então a idéia peregrina de se conseguir fazer uma armadura ainda mais forte a partir de destroços. E porque raio tem os americanos aquela necessidade doentia de bipolarização. Se já tinham os maus da fita, porque é que tinham que diabolizar o exército, ou as corporações, ou lá quem era, metendo-o na armadura de sucata de maneira a poder ser vencida pelo cavaleiro da armadura cintilante ? E será que o facto de o "bom" ter vencido apenas por um pormenor (umatechnicality, como diriam os americanos) foi ao menos uma metáfora para nos fazer ver quão ténue é o nosso domínio sobre tudo isto e quão próximos podemos estar do abismo? Espero que sim.
54 - charlie wilson´s war
Um desbarato de grandes talentos dos quais nunca gostei muito de nenhum. Ou a eterna obsessão dos americanos por contarem todos os pormenores aborrecidos da sua história… Peço desculpa aos mujhaedin por não me ter entusiasmado nadinha com o filme da sua história, mas lembro-lhes que não devem ficar desapontados com os bocejos que este filme provoca nas pessoas normais. Não devem esquecer que as pessoas que valem a pena já os conheciam antes deste filme. E mesmo entre os americanos, há muita gente que também já os conhecia há bastante tempo. Desde o Rambo 3…
53 - finding neverland
Há filmes que valem a pena que se espere por eles. Seja porque não estamos preparados, seja porque não os queremos desperdiçar ou porque os queremos guardar para um momento melhor… Seja porque o queremos compartilhar com alguém ou porque não o queremos compartilhar com ninguém… Seja pelo que seja, geralmente vale a pena esperar, porque esses filmes carregam em si uma magia, um sentimento tal que, saindo nós a rir ou a chorar, calados ou a cantar, sozinhos ou acompanhados, sabemos sempre que acabamos de assistir a uma experiência de arrebatar o fôlego. E vai daí eu pergunto: Porque raio é que esses filmes são todos com o Johnny Depp ? Dúvidas? Três exemplos em três segundos: Charlie e a fábrica de chocolate, Eduardo Mãos de Tesoura e este… Finding Neverland. Ou então não… não a encontres…. Guarda-a para sempre…
52 - vicky cristina barcelona
A primeira sensação que me fica é que o Woody Allen preocupa-se mais com o chique que é duas americanas cultas e bonitas estarem a jantar e a beber vinho num restaurante queque de Barcelona, do que a arranjar-lhes algo de interessante para dizer. Para mim, isto é pretensiosimo e eu não gosto de pretensiosismo. Condiciona-me a crítica. Faz com que olha para o filme e veja apenas um conjunto de clichés, a turista conservadora com o noivo americano pateta, a colegial deslumbrada que só pensa em ser diferente, o macho latino-torturado-misterioso que só sabe falar mau inglês, a fêmea latina sempre prestes a saltar para a faca e alguidar e para os pulsos semi-cortados e o vinho, que pelos vistos é a única coisa que lhes interessa realmente...Apesar das condições perfeitas de visionamento, o filme não é bom.
51 - the kids are all right
Duas lésbicas mostram quão normais as pessoas normais são e resolvem constituir família, não avisando disso o homem a quem retiraram (de forma tradicional) o esperma.Vinte anos depois, talvez dezoito, os filhos das mães vêm a descobrir que o pai é um gajo fixe, calmo, que anda de mota e que pratica agricultura biológica, sendo o principal fornecedor do seu próprio restaurante.Biológico, claro. Tantas qualidades não poderiam deixar de ser reconhecidas, quer pela empregada do restaurante, uma negra com um penteado afro que com ele tem uma cena de sexo... inspiradora, quer por uma das mães, mais propriamente, a Juliane Moore. Com quem ele tem também uma cena de sexo... realista, com corpos não maquilhados, mamas um bocadinho lapisáveis, alguma falta de jeito e de uma duração que não traumatiza instantaneamente os espectadores. Quando a filha mais velha vai para a faculdade, as duas mães choram e, surpresa: o pai também, Um bom exemplo de família disfuncional.
50 - black swan
És pequenina, bonita, tímida e perturbada. Danças ballet, tens os pés todos lixados mas aguentas o sofrimento porque gostas mesmo de dançar. Sentes que tens qualquer coisa de especial mas não consegues convencer o mundo disso. à tua volta todas parecem melhor que tu porque o mundo considera que a tua obsessão pela perfeição, quer tu julgas ser a tua maior qualidade, não passe de falta de autenticidade. Não vêem quão humana tens que ser para submeteres a tua humanidade à tua individualidade. E os clichés desfilam à tua frente, se, se cansarem um bocadinho, sequer. E, quando já estavas à espera de ser outra vez preterida, ganhas protagonismo e pensas que isso vai resolver todos os teus problemas interiores, e verificas que não aguentas a pressão e que se calhar não és tão única como pensas. Mas como és teimosa, continuas a foder os pés, esticando-te ao limite no verdadeiro sentido da palavra, até à perfeição. E quando estás quase quase a alcançá-la, olhas para o lado e vês alguém melhor do que tu, mais bonita, mais ousada, mais humana e com umas asas pretas monumentais e lindíssimas tatuadas nas costas. E, ainda por cima, gostas da cabra, que se aproveita disso, primeiro para te comer e depois para roubar o sonho da tua vida, substituindo-te naquela que deveria ser a tua apoteose. Isso não podes permitir e, chamando o mais fundo da tua obsessão mudas de variável, como os matemáticos fazem quando já não sabem mais o que fazer. És má e matas a cabra. És boa e matas o resto do mundo. Do coração, por verem a tua actuação. E depois... morres!
49 - 500 days of summer
Os sinais exteriores eram bons, mas o facto é que se trata apenas de mais um filme de adolescentes, sendo que é relativamente bem filmado e a rapariga não é assim tão adolescente como isso. Ele, arquitecto ainda não tentado, trabalha como escrevedor de postais numa qualquer empresa do ramos. Faça-se justiça a algum do seu talento, bem espelhado na frase: eu amo-nos, que eu subscrevo e que acho que faz sentido escrito num postal. Para além disso, resta a cronologia do filme, que alterna aleatoriamente entre o dia 1 e o dia 500, sempre a fazer sentido. Resta ainda uma boa interpretação de píxies no karaoke, e o mais velho cliché do mundo, que é a rapariga, com um ar entre o Cândido e o insosso, já ter pinado com 30 ou 40 homens, enquanto que o rapaz, saudavelmente tarado, estar praticamente a sair da virgindade. E, estúpido como é, deixa que o sexo que ela tem antes de o conhecer lhe interfira com o estômago e o cérebro. Fazia mais sentido, digo eu, sei lá porquê, preocupar-se com o sexo que ela vai ter, inevitavelmente, depois de o deixar. Enfim... Clichés. Não gostei.
48 - sunshine cleaning
Uma mulher que trabalhava em limpezas começa, por sugestão do polícia casado que a anda a comer duas vezes por semana num hotel médio e que tinha sido seu namorado no liceu, a fazer a limpeza de cenas de crimes e de suicídios. Ajudada (e às vezes não ) pela irmã disfuncional que lhe dá guloseimas ao filho nas suas costas até ao dia em que esta incendeia a casa de um cliente morto, o negócio vai prosperando. Existe ainda um filho algo traumatizado, um pai (dela, avô do filho) verdadeiramente esquisito e um empregado de uma loja de produtos químicos só com um braço. Acaba por se tornar um negócio de família, que esteve quase à beira de um ataque de nervos. Gostei.
47 - prometheus
Um homem muito grande e muito branco bebe umas cenas e dissolve-se para dentro de uma queda de água, derretendo assim nesta o seu adn. Isto ter-se-á passado na Terá, embora o homem muito grande e muito branco, como o próprio nome indica, seja claramente extra-terrestre. Assim começou a vida na Terra e, 2080 anos depois, um casal de cientistas descobre de que planeta o homem MGMB (muito grande e muito branco) veio. Vão todos para lá, o casal de cientistas, os figurantes do costume (destaco o Luther e a Charlize Teron, o génio maluco e o andróide), numa grandessíssima nave e descobrem que o planeta mais não é que uma espécie de fábrica de armas biológicas dos tipos MGMBs. Tendo criado a humanidade por dissolvência, não mos podemos deixar de surpreender pelo facto de eles quererem encher a Terra de armas de destruição política ? Será uma piada política do Ridley Scott? As armas são uma espécie de latas com umas cenas muito maradas dentro. Tipo casulos…Previsivelmente, morrem todos a impedir que os homens MGMB consigam trazer para a Terra as canas maradas. Menos os sobreviventes do costume, a rapariga em cuecas e o andróide decapitado (caramba, já vi isto em qualquer lado), que se metem numa das muitas naves que pelos vistos havia no planeta e decidem, ir ao planeta de origem dos homens MGMB para lhes perguntar de viva voz por que caraças é que me queres destruir ? Portei-me mal, foi ? O filme acaba com uma das latas a abrir e a sair de lá de dentro… Não. Não foi assim. A cena não saiu da lata mas sim da barriga do homem MGMB, que antes tinha sido comido por uma criatura que foi criada por uma das que saíram de uma das latas.Confuso ? Sim, de facto. Mas o que interessa foi o que, chamemos-lhe assim, eruptiu da barriga do homem MGMB. E o que foi ? Vá… nesta altura já toda a gente sabe.
46 - estômago
Foi fixe enquanto vi, se calhar por causa da dose quadrupla de auto comiseração. Hoje, pensando com mais frieza, não consigo encontrar nada de especial para escrever aqui. E a historia de um caipira com jeito para a cozinha, cujos méritos provocam uma ascensão que nos é habilmente e simultaneamente mostrada, quer na lanchonete, quer na prisão. Passa da lanchonete para o restaurante italiano ao mesmo tempo que passa do chão sem colchão para o primeiro dos beliches da cela. Conhece uma prostituta que pina enquanto esta come a sua comida e começa a cozinhar para os companheiros de cela. A ascensão na prisão era fácil de prever e de seguir, restando apenas alguma curiosidade em saber porque é que lá foi parar. No fim percebe-se. Apanhou a prostituta a pinar com o dono do restaurante italiano e matou-os aos dois, na cama, com uma faca. E foi com essa mesma faca que cortou, como e que hei-de dizer isto? cortou um hambúrguer do rabo da prostituta. Cozinhou-o e comeu-o. Vamos abster-nos de trocadilhos óbvios e concentrarmo-nos na prisão, o entretanto o argumento destrambelhou e ele matou o ladrão mor apenas para ficar a dormir no beliche de cima. Envenenou-lhe a feijoada, coisa que eu considero um pleonasmo. Enfim... O filme é competente e a parte que eu gostei mais foi a resposta ao monólogo do queijo gorgonzola. Tipo, podes dizer o que quiseres, mas o queijo aqui dentro não fica. E não ficou…
45 - os 3 mosqueteiros
Outra vez? Outra vez! E diga-se desde já que deve ser a melhor versão que já vi, contando já com o Dartacão. Extremamente bem filmado, tipo 300, boa fotografia, boas sequências de acção. Superpreponderância para Buckingham que deixa de ser o amante pastelão da Rainha Ana e passa a ser o verdadeiro desequilibrador daquele tabuleiro de xadrez, enfrentando com sucesso e montes de estilo Richelieu, o corvo vermelho. Depois de inevitavelmente derrotado pelo argumento do filme, escrito por Alexandre Dumas (o mundo nem sempre é justo, para não dizer que quase nunca é), Buckingham passa-se e decide invadir a França, utilizando para isso duas esquadras completamente portuguesas: uma esquadra de caravelas e uma esquadra de passarolas. Sim. As do Bartolomeu de Gusmão. Confesso que sempre me fez alguma espécie nunca ninguém ter massificado a produção de passarolas, que além de armas de guerra terríveis, eram lindas de morrer. Muito fixe, este filme…
19.7.13
44 -a lula e a baleia
A minha
família é constituida por intelectuais
em diferentes fases de desenvolvimento. O meu pai é um escritor que já teve
sucesso e vendeu muitos livros, mas no
presente não tem quem lhe publique os livros. Goza no entanto de algum
prestígio ainda, pelo depois do divórcio não tardou a envolver-se com uma aluna que,
curiosamente, era a parceira nao oficial do Luther. Luther... Aquele polícia
inglês que tem o grande mérito de fazer séries com temporadas pequenas, tão
pequenas que nem sequer chegamos a estranhar que ele não mude de roupa.
Voltando meu pai e voltando ao divórcio, ele está a gerir esse processo
claramente, ao ponto de ter entrado num esquema claro de compensação emocional,
comprando uma vivenda igual à que tinhamos enquanto ainda eramos uma família..
Mas como o dinheiro dele é curto, a casa é decrépita, sem móveis e quase
assombrada. O que faz que o meu irmão a deteste (à casa) enquanto que eu, em
pleno rebentamento da testosterona mas ainda com um componente infantil muito
saudável, a considero fixíssima. A minha mãe é uma escritora em fase de
ascensão, ainda na fase de pré-publicar extractos no new York times. Tem um ar
calmo, super controlado, é bonita e tem super jeito na relação connosco. Mas
ninguém é perfeito e ela, sendo-o agora no presente, não o foi no passado,
tendo-se fartado de trair o marido e, consequentemente, a família. Recorrendo,
ainda por cima, ao cliché do pinar com o professor de ténis, um gajo super simpático
de quem até eu gosto. O que me faz parar um bocadinho para pensar na posição do
meu pai e na maneria como ele sente esta separação: a seres trocado, toda a
gente diz que quer ser trocado por alguém melhor, para não sentir o vazio
provocado por a nossa mulher já estar tão farta de nós que qualquer cliché
serve. Eu, pessoalmente, prefiro esse vazio ào estado de raiva que sentiria
todos os dias ao sentir que fui trocado e que, mesmo objectivamente, isso fez
todo o sentido, porque fui trocado por alguém melhor. Meu Deus. Que pesadelo.
Depois ainda há o meu irmão, interpretado pelo Mark Zukenberg três ou quatro
anos antes de ter ido para a faculdade e ter roubado a idéia do Facebook a dois
colegas pouco agressivos. O meu irmão, dizia eu, que se move entre o nosso pai e a nossa mãe,
apoiando o declínio do pai e criticando a ascensão da mãe. Move-se também entre
duas namoradas, a dele, loira, bonita, honesta e cândida e a do pai, bonita,
retorcida e interesseira, escolhendo, obviamente, mal. Ou seja, a morena, que
por coincidência é aquela que o nosso pai anda a pinar para que a sensação de
ser patético que lhe não descola da pele seja auto-justificada pelo sexo com
uma adolescente e não pela falta de amor da mulher de quem efectivamente gosta.
Por fim, resto eu, que me assumo desassombradamente como filisteu, tenho 12
anos, bebo, praguejo, jogo ténis com o namorado da minha mãe e preparo uma vida
de rebeldia inconsequente. Mas chorei quando os meus pais nos disseram que se
iam separar… Temos assim a chamada família disfuncional, que atrai os incautos u enganar, que pensam que se
pode tratar de outra ser outra família à beira de um ataque de nervos. Não é a
mesma coisa... É muito menos fixe. Resta
ainda a lula e a baleia que, tal como eu tinha desconfiado a certa altura, eram
as que estão penduradas no tecto do museu de história natural de nova
Iorque. Sendo um nome que não tem nada a ver com o filme, no fundo até acaba
por o explicar. Quando vi a lula e a baleia original, penduradas no tecto do
dito museu, pensei cá para mim que sendo uma luta bonita a que eles estavam a
travar, era também completamente inútil, pois nem a baleia quer comer a lula,
nem a lua quer comer a baleia. É como no filme, em que todos se magoam uns aos
outros por defeito, sem nexo nem necessidade nenhuma, até porque toda a gente
ainda gosta de toda a gente. E embora seja uma frase que pode ter algum
impacto, quer por ser curta, quer pela fonética conferida pela repetição da
primeira letra, traduz um conceito que eu não gosto. Disfuncionalidade por
defeito. É... Não gosto mesmo.
a lula e a baleia
a lula e a baleia
43-ruby sparks
Se
tivesse que me apresentar devidamente, tipo dizendo qual a minha profissão e o
que fiz e faço na vida, penso que me apresentaria como um escritor precoce.
Escrevi um mega-sucesso aos dezassete anos e nunca mais fiz nada de jeito. Nem
de jeito nem sem ser de jeito porque a verdade é que não fiz nada de nada.
Estou preso naquilo que é o terror dos escritores que conseguem ultrapassar o
terror daqueles que querem ser escritores e não conseguem. Ou seja, consegui
ultrapassar o trauma da folha em branco e estou agora preso no trauma do
segundo livro. Passo assim os dias a pensar se vou ser um one-hit case ou se
ainda sairá mais alguma coisa de jeito dentro de mim. Passo os dias a tentar
sonhar acordado,mas é à noite que tenho os sonhos que vale a pena,
principalmente acerca daquela rapariga que tem qualquer coisa que mexe imenso
comigo, mas que quando estou quase a descobrir o que é… acordo. Sorte que tenho
um psicanalista inteligente, que me disse aquilo que eu deveria ter pensado
logo, isto se fosse um escritor decente, e não um falhado completo que só escreveu
um grande livro nos seus 15 anos de vida após ter aprendido a escrever. Escreve
sobre essa rapariga, Zé… Foi o que ele disse. Vai daí, comecei a escrever. E
então, de repente, um dia de manhã fui à cozinha e ela estava lá, a fazer-me ao
mesmo tempo o pequeno almoço e um sorriso encantador. E olhava para mim como se
vivesse comigo há temporões. Como nunca me preocupei com a lógica fundamental
das coisas, com o sentido da vida e esse tipo de tretas, e como sempre fui
consciente de que a boa sorte deve ser aproveitada, até porque é rara, decidi
aproveitar. Se ela me conhecia tão bem, então eu também a conheceria a ela. E
foi aí que a situação se tornou mesmo interessante, inquietantee até mesmo
importante. É que ela conhecia-me meeeesmo bem.
Falava sempre dos assuntos que me estavam na cabeça, dizia as piadas que
eu estava a pensar, fazia sexo de maneira a cumprir todas as minhas fantasias
sem que eu tivesse que as verbalizar, ostentava um conjunto de tiques e
maneirismos que eu achava lindíssimos, usava umas meias às riscas brutais…
Graças a ela recuperei a minha segurança social e recomecei a escrever e
escrevia cada vez mais. Sobre ela, principalmente. E quanto mais eu escrevia
sobre o que esperava dela, o que sentia por ela, o que queria que ela fizesse,
mais ela correspondia integralmente às minhas expectativas. Estava a tornar-se
perfeito. E se há uma coisa que eu sempre soube é que a perfeição não existe
porque se existisse já não era a perfeição. A perfeição, por definição, é
intangível. E no entanto, ela estava ali; á minha frente. E mal eu percebi
isto, começou lentamente a desmoronar-se. De repente ela começou a ficar
errática, confusa, contraditória, implicativa. Tanto me queria obsessivamente
como nem sequer suportava a minha presença. Cada manhã nunca sabia o que
esperar dela. Parecia que ela ia à caixa de correio buscar as instruções
diárias que iria seguir no seu comportamento. Inevitavelmente, os humores dela
começaram a reflectir-se na inha escrita, que era onde eu vertia todas estas
angústias. E quanto mais eu escrevia sobre o pior que ela se estava a tornar,
pior ela se tornava. Havia ali uma espécie de coerência doentia. Quanto mais eu
escrevia coisas boas sobre ela melhor ela se portava e quanto mais eu escrevia
coisas más pior ela ficava. Então finalmente percebi. Eu não estava a escrever
sobre ela, sobre a sua personalidade e o seu comportamento. Eu estava a
escrevê-la a ela. À sua personalidade. Ao
seu comportamento. Eu tinha-a inventado e ela era a projecção sem dúvida real
de tudo o que eu tinha de bom e de mau dentro de mim. Ela fazia tudo o que eu
escrevia. Cantava, dançava, falava francês, fazia sexo, ria, chorava, tinha
saudades de mim, ladrava… Tudo o que eu queria. Tudo o que eu escrevia. E
embora tenha chegado a abusar um bocadinho disto, cheguei à conclusão que tinha
que libertá-la. E, assim sendo, escrevi-lhe uma nova memória e escrevi-lhe a
capacidade de decidir por lívre arbítrio. E embora sinta muito a falta dela,
sei que se algum dia nos tornarmos a encontrar, tudo vai correr melhor…
3.7.13
42-mr nobody
Jaco Van Dormael
Se eu fosse sensacionalista e se estivesse a tentar arranjar o nome para um filme, apresentar-me-ia como sendo Ninguém e a partir daí armaria tamanha confusão existencial que rapidamente me esqueceria do que vim aqui dizer. Pragmático como acho que sou, direi apenas que me chamo Nemo e não, embora a minha vida tenha dado um filme, não sou um peixe. Chamo-me Nemo Ninguém e começo pelo fim, que é o facto de ter 146 anos e ainda não ter morrido. Sou o último ser humano a quem foi permitido viver a totalidade da sua vida natural, sendo que nesta altura todos os meus colegas de espécie tem a sua morte ainda melhor programada do que tiveram a sua vida. Também não me vou perder a discutir as vantagens e desvantagens da mortalidade programada. Os puristas dizem que a surpresa é boa, mas não é a morte uma surpresa má? Por outro lado, obedecer à ordem de ter que morrer amanhã, ou depois de amanhã, é uma coisa bastante castrante. Digo eu. Sei lá. Enfim, não é problema que eu tenha, porque a mim vão-me deixar morrer naturalmente. Sem me chatearem. Até porque já me chateiam o suficiente a querer sabes coisas da minha vida. Tipo duas vezes por semana tenho que contar a minha vida toda a um tipo careca com a cara e a cabeça completamente tatuada, num padrão maori mas a fugir para o fino. Tipo, não é nada bonito, mas ficaria bem num filme, que é o que isto é. Presumo que eles, os do futuro, queiram de alguma forma registar para a posteridade a história da vida do último homem livre, mas eu troco-lhes as voltas porque se há coisa que aprendi nestes anos todos é que a vida é demasiado rica para ser vivida apenas de uma maneira e o facto de tomarmos determinadas decisões e de seguirmos determinados caminhos não é definitivo.De facto não possamos fazer tudo aquilo que queremos, até porque, seja qual for o nosso grau de egoísmo, acabamos sempre por magoar alguém ao fazermos com que esse alguém viva o papel que lhe destinamos na nossa vida e não o papel que tem direito na vida dela. isso não seria justo... nem correcto... O que eu constato hoje é que se os sentimentos que nos orientaram durante a vida foram suficientemente fortes, então chegamos a esta altura e é como se tivéssemos vivido as vidas todas que quisemos. Olhando para trás, chega-se à conclusão que certas pessoas te acompanharam toda a vida, estiveram sempre na tua cabeça e isso, constato agora sem a mínima dúvida, é viver. Tipo neste momento, eu tive três vidas e todas tiveram a mesma intensidade de sentimentos. Em cada uma delas fui feliz e infeliz, mas em todas elas eu vivi, sendo que à beira da morte isso é sem dúvida o mais importante. Dizem que existem momentos chave nas nossas vidas, em que tomamos decisões que nos vão condicionar para sempre, que nessas decisões escolhemos umas coisas em detrimento das outras, e que o que não escolhemos é para sempre afastado das nossas vidas. A verdade é que isso não é verdade. As escolhas que se fazem são momentâneas e condicionam de facto a maneira como vivemos naquele instante, mas visto de longe, e desde que os sentimentos permaneçam fortes, a importância do que não viveste é igual à importância do que viveste. No limite, a única coisa que interessa é o quanto as coisas ainda significam para ti, porque é isso que te fica a acompanhar na eternidade, e não propriamente os momentos passageiros. o momento chave foi quando tive que decidir se ia no comboio com a minha mãe ou se ficava na plataforma da estação com o meu pai.
Se tivesse ido no comboio com a minha mãe, ela ia acabar por arranjar um marido que iria ter uma filha chamada Ana mais ou menos da minha idade e iríamos apaixonarmo-nos terrível e fisicamente, até que os nossos pais iam perceber e, usando isso como pretexto, separar-se-iam e separar-nos-iam... e eu depois ia passar o resto da vida à procura e à espera de a encontrar, até que finalmente isso ia acontecer em plena Grand Central Station, para logo a seguir a perder por causa de uma chuvada repentina que iria borratar o número de telefona que ela escreveu imprudentemente num lenço de papel com tinta que devia ser permanente mas claramente não o foi...
Se tivesse ficado na plataforma com o meu pai, iria tratar dele ao longo da sua doença, tipo fazendo-lhe a barba, lembrando-lhe quem ele é, tomando banho sentado com ele na banheira enquanto o chuveiro nos pinga copiosamente aos dois e eu já não sei se estamos a falar de gotas de água ou gotas de lágrimas, até que lhes provo o sabor, só para confirmar aquilo de que já desconfiava. E um dia ia encontrar uma rapariga chamada Elisa, pela qual me iria apaixonar bastante e a qual me disse logo quando a conheci que nunca se iria esquecer de um ex-namorado qualquer, e muitos anos depois, casado com ela e com três filhas lindas, iria ter que viver com o seu estado paranóico e mesmo assim ia dizer-lhe que nunca a deixaria, nunca nem por nada enquanto ela berrava em plenos pulmões no meio da rua; à chuva, com as nossas filhas a assistirem envergonhadas e tristes por dentro da janela...
E no fim deste filme que vocês viram, no fim deste filme que foi não só a minha vida mas todas as minhas vidas, a conclusão a que eu chego é que se não é facil tomar as decisões correctas porque não se conhece o futuro, então conhecendo-o, torna-se ainda mais difícil saber se as decisões que se tomaram foram mesmo as mais correctas...
mr. nobody
mr. nobody
26.5.13
41 - ender's game
Orson Scott Card.
Começando por uma declaração de intenções, e para afastar desde já possíveis interessados potencialmente desiludíveis, isto é um livro de ficção científica. Pior. Um livro de ficção científica escrito em 1984, numa altura em que os livros não eram apenas a fase anterior do filme, filme esse que é o elemento absorvente da cultura nos últimos vinte anos. Ou mais. Mas o que é bom acaba sempre por emergir e este livro ganhou o Prémio Nébula, assim como a sua continuação também ganhou o Prémio Nébula. O terceiro livro da série, já não me lembro se ganhou um prémio ou não, mas foi o primeiro texto deste blog, publicado aqui a 28 de fevereiro de 2007. E escrito ainda antes, se bem me lembro. A história não é simples. Uma raça insectóide tentou já por duas vezes invadir a Terra e dominar a humanidade. Nesta altura não sabemos ainda se para a extinguir, se para a escravizar. Não sabemos pormenor nenhum a não ser que das duas vezes nos safamos por pouco e conseguimos mandar os insectos de volta para o planeta deles. Mas deu para percebermos o quão mais avançados que nós eles eram em termos tecnológicos, pelo que seria uma questão de tempo até virem experimentar o conceito terrestre que às 3 é de vez. A única alternativa que resta à humanidade é ir-se organizando e preparando para o futuro. futuro esse, dado a grande distância do planeta insectoide, algo distante também ele. Cria-se assim na Terra a Frota International, uma aliança entre todas os países a que todos os países tem que obedecer. Em rigor, esta organização foi criada ainda antes das invasões, para impedir que a Humanidade se explodisse a si própria. tal esteve tão perto de acontecer que ainda hoje a Frota Internacional destruirá imediatamente qualquer país que desenvolve armas nucleares. E seria uma destruição vinda dos c’eus, uma vez que a frota está sempre em voo. Mais talhados para jogar em casa do adversário, onde se pode estragar tudo sem grandes problemas de consciência, os almirantes da Frota Internacional reuniram uma armada gigantesca e enviaram-na para o planeta mãe dos insectóides, para o destruir e acabar de vez com a a invasão, sendo que as naves humanas levavam a tripulação toda a dormir, para os soldados não envelhecerem os 30 ou 50 anos que demorava a viagem. O problema é que faltava um líder para a frota, pois também tinha ficado bem claro nas duas primeiras invasões a profunda eficiência e inteligência da frota insectoide, provavelmente decorrente de ser comanda apenas a uma voz, pela rainha, sendo que cada indivíduo insectoide era a negação em si próprio de si mesmo, ou seja, da individualidade. Era apenas mais uma peça da engrenagem, que não provocava atrito porque não pensava. Criou-se assim na Terra a Escola de Batalha, para onde passaram a ir as crianças mais inteligentes da humanidade. O principal potencial fornecedor de crianças para a Escola de Batalha era um casal que, só tinha filhos inteligentes e que eram monitorizados pela Frota Internacional praticamente desde que nascia, a ver se serviam. o primeiro, Peter, servia em termos de inteligência e afins mas era um bocadinho mau, pelo que se achou que se calhar não era boa idéia. A segunda, Valentine, servia em termos de inteligência mas era demasiado boa, pelo que também se achou que se calhar não era muito boa ideia. Contrariando a lei vigente dos dois filhos por casal, foi pedido aos pais que tentassem mais uma vez, o que deu origem a Ender, que iria viver a sua vida a ser ostracizado, estigmatizado e, acima de tudo, separado do resto da humanidade. Avançando, Ender vai de facto para a Escola de Batalha onde, ao contrário do que acontece na maior parte dos filmes americanos que abordam processos de recruta, lhe passam a vida a gritar na cara, não que não presta, mas que é o maior génio que a humanidade alguma vez criou e que convinha que isso se notasse nas suas acções. compreensivelmente, embora não para mim, isso faz com que Ender seja razoavelmente odiado pela malta à sua volta, o que lhe irá causar uma solidão extrema nos processos de decisão interna e também algumas situações que lhe fazem vir à tona aquilo que provavelmente mais o distingue dos outros. É tipo uma espécie de pragmatismo resignado em que, confrontado com a inevitabilidade do que está a acontecer e do que tem que fazer, então mais vale arrumar logo com o assunto para não se passar o resto da vida a sofrer as consequências de o ter deixado a meio. Resumindo, se é para bater, então bate-se de uma maneira tal que quem te quer bater fique de tal maneira convencido que não é bom voltar a tentar bater-te que desampara a loja de vez. Sim, mas assim arriscas-te a magoar alguém... ou a matar, mesmo. Pois... Isso é verdade, mas não é essa a finalidade das lutas ? Ender é assim constantemente pressionado e encurralado que a única direcção para fugir é para a frente. ganha um batalha de manhã e marcam-lhe uma para a tarde. Ganha a da tarde e marcam-lhe uma para a noite cintra dois exércitos ao mesmo tempo. Consegue ganhar essa e de madrufgada, sem ter tempo para descansar, marcam-lhe uma contra três em que ele tem que ir sem armas. Ender ganha sempre mas há, obviamente, efeitos secundários. Um deles é despertar uma adoração religiosa nos seus seguidores. Outro é aprender se calhar uma das lições mais importantes em relações humanas e que é que quem tem o poder não se coibe de estar sempre a mudar as regras a seu favor. E isto fez com que Ender desconfiasse sempre e para sempre do poder instituído e tenha crescido uma pessoa completamente devotado à liberdade de todos. Porque nos povos pode-se sempre confiar porque não têm poder para mudar as regras. Ao contrário do que acontece com os governos. Entretanto, o treino vai evoluindo e Ender é transferido junto com os melhores amigos para a Escola de Comando, onde é submetido a simulações de batalhas dificilimas, em que as naves dos insectoides são cada vez mais, cada vez mais rápidas, mais poderosas e mesmo assim Ender vai vencendo sempre o computador. Um dia, é confrontado com um exercício diabólico, passado nas imediações do planeta mãe dos insectoides, em que as naves inimigas são aos milhões, movem-se à velocidade da luz e tem armas e escudos poderosíssimos. Ender está exausto e à sua volta os seus comandantes e amigos desabam todos (excepto um, chamado Bean, que merece um texto próprio). Reflectindo durante os microssegundos que a batalha lhe deixa livre, Ender chega à conclusão que mais uma vez a única maneira de acabar com a tortura é bater forte e de vez. Assim, através de uma manobra estratégica mais ou menos impossível, rebenta com o planeta mãe dos insectoides acabando assim de vez com o raio da batalha infinita, assumindo que a ficção imitará com sucesso a realidade. Saiu-lhe ao contrário e foi a realidade que imitou mais uma vez a ficção porque esta batalha, assim como todas as que Ender lutou contra o computador, era real e estava efectivamente a ser travada contra as naves insectoides, junto ao planeta mãe insectoide, pela frota que tinha partido da terra 50 anos antes. Assim, sem saber o que estava a fazer, Ender aniquilou completamente a única raça inteligente extraterrestre conhecida, situação de tal enormidade cujas consequências dificilmente seriam apreensíveis por si antes que passasse muito tempo e que não cabem neste já não muito pequeno texto. Embora muitas delas estejam já contadas no texto com que arranquei este blog, há muitos anos atrás. Entre esse livro e este, há ainda mais um, tão bom como qualquer um dos outros dois. Um dia falarei dele, quanto mais não seja antes de os americanos fazerem dele um filme, que é o que vai acontecer a este no próximo mês de Novembro. Ficam estas notas para o caso de o filme não prestar, para memória futura de um livro que não é lá muito bom. É óptimo.
28.4.13
40 - prodigal son
Dean Koontz
Não restam muitas dúvidas que a agenda cultural de
quase todo o mundo ocidental é regido por Hollywood. E se acrescentarmos um B,
podemos contabilizar mais uns 1500 milhões de pessoas. Ou seja, o interesse das
pessoas sobre qualquer tema é potenciado quando Hollywood faz um filme sobre
esse tema, desencadeando depois desse interesse um fenómeno cultural que seria
para mim interessante se não tivesse como principal origem a intenção de os
estúdios fazerem dinheiro em merchandising. Não me chateia nada que as massas
passem a usar t-shirts do Batman, mas confesso que me chateio um bocadinho
quando as massas comecem a usar t-shirts do Batman. É uma daquelas
contradições internas que não consigo resolver. Sei que as pessoas têm de respirar,
mas chateia-me que respirem o meu ar e perto de mim. Enfim, isto tudo para dizer que existe
um personagem da literature que só mereceu aí uns 10 minutos de atenção dos
estúdios e que por essa razão ainda se encontra em terreno relativamente pouco
explorado, permitindo assim que se inventem coisas interessantes sobre si. Esta
conversa sobre os estúdios não é totalmente gratuita, da minha parte. É que, ao
querer conhecer um bocadinho melhor o autor, li o prefácio do livro (coisa que
não costume fazer) e descobri que este livro tinha sido contratado por um estúdio para fazer uma série mas que o autor se desentendeu com eles e resolveu
fazer o livro com a sua própria lógica. Passemos assim a ver se a lógica
artística tem mais valor acrescentado do que a comercial. Uma pergunta assim
tão complexa deveria ser difícil de responder. Mas é fácil. A resposta é: tem.
Ora vejamos:
Frankenstein
(que foi interpretado por Robert de Niro naquela que foi a sua pior
interpretação das muitas e todas más que fez) torna-se assim num manancial de
idéias para quem as quiser explorar, até porque a maioria das pessoas ainda
pensa que o Frankenstein é um monstro verde com parafusos a sairem pelas
temporas, tipo uma espécie de cornos versão tecno-industrial. Não é.
Frankenstein não era um monstro verde com parafusos nos cornos mas sim um
cientista louco que construiu um ser com componentes retirados de ladrões e
assassinos mortos, sendo que nem sempre respeitava as questõees de simetria
estética, ou pelo menos não as respeitava escrupulosamente. Tipo, dava-se ao
cuidado de pôr braços nos locais dos braços, mas não se preocupava muito em que
os braços pertencessem ao mesmo cadaver. Tipo podia ser orangotango do lado direito e galinha do lado esquerdo... A escritora que criou Frankenstein chama-se Mary e o nome que ela
escolheu para o Frankenstein foi Victor. Logo por aí se via que estava a
começar mal. No livro original, lembro-me de poucas coisas, mas arrisco a dizer
que me lembro das mais importantes. Se estivessemos a escrever um resumo, eu
diria que Victor Frankenstein criou um ser que pretendia que fosse humano e
ligou a ele o pára-raios do castelo, de maneira que mais tarde ou mais cedo um
relâmpago acabou por lhe acertar e por o trazer à vida. Depois, terei
adormecido, confesso, e só me lembro dde a criatura (o FrankenSon) fugir do pai
(Victor) saltando de pedra em pedra no meio de um pântano tipo, pantanoso…
E é a partir daqui que este livro arranca. Victor,
mercê do seu talento inquestionável enquanto cientista torna-se tipo o maior
especialista no planeta em engenharia genetica e torna-se também praticamente imortal
e podre de rico. E, durante 200 anos, continuous as suas pesquisas pelo que
hoje, no presente, criou uma nova raça de homens e mulheres cujo principal
objectivo é obedecer-lhe e com os quais pretende dominar o mundo, ou seja,
substituir a Raça Velha pela Nova Raça. Obviamente que esta substituição não
será completa, uma vez que lhe falta tempo para criar 7500 milhões de pessoas
novas, mas também que interesse é que isso teria se é sabido que todo o planeta
é controlado por umas 1000 pessoas ? Assim sabendo, Victor infiltra os seus
filhos nas posições chave para que, quando chegar a hora, eles possam iniciar a
revolta e tomar o controle. Tipo, números à parte, a traição dos clones contra
os cavaleiros Jedi. Os filhos de Victor são diferentes, tanto fisica como
psicologicamente. São superiores fisicamente porque são mais rápidos, mais
fortes, mais bonitos, etc. Tem dois corações e diversos outros melhoramentos
físicos, mas estão muito condicionados psicologicamente, porque estão impedidos
de processar os seus sentimentos de forma que contrarie o pai, ou seja, sentem
bastante (até porque têm dois corações) mas não podem canalizar todo esse
sentimento de forma natural. O que, está bom de ver, lhes cria loops internos
de dificil resolução, tipo o HAL no 2001 e, em ultimo caso, os leva à mais
profunda paranoia, tipo o Padre que não consegue lidar com a presença simultânea de Deus e do Pai (Pai Victor e não Deus Pai), ou tipo Erika, mulher
de Victor, que não consegue articular a beleza que encontra na arte com as
coisas que Victor lhe faz e obriga a fazer (na cama, entre outros sítios) ou
ainda o polícia que acha que os membros da Raça Velha devem ter uma qualquer
glândula que segrega a felicidade e começa a dissecar pessoas para encontrar a
dita glândula…
Obviamente que não foi apenas Victor que sobreviveu
estes 200 anos. A sua criação também. Chama-se Deucalião e, cumprindo o cliché,
tornou-se monge budista num mosteiro no Butão depois de ,previsivelmente, ter
feito muita asneirinha… Deucalião tem aí uns dois metros e meio e metade da
cara toda tatuada, para tapar as cicatrizes que Victor lhe fez quando ele
fugiu. Também previsivelmente, começa a sua carreira num daqueles Freak Shows
ou Feiras Populares tipo Carnivale, ou a do Big Fish em que, passo a citar-me do
texto anterior, “…em que havia mulheres com barba,
anões pintados e gigantes desengonçados, halterofilistas carecas de bigode
retorcido para cima e vestidos com peles de leopardo que lhes deixava
invariavelmente um ombro à mostra, adivinhadoras do futuro cegas, bonecos que deitavam
pela boca bilhetinhos com o que te ia acontecer no futuro e onde havia sempre,
mas mesmo sempre ao fundo uma roda gigante com ar de que se ia desfazer a
qualquer momento mas que nunca se desfazia. Era a altura em que toda a gente
parecia uma fotografia da Diane Arbus”. Mas não era bem por aí que eu queria
ir. Desviei-me porque ando cada vez mais atraído por esse universo, mas ainda
não chegou a altura de escrever sobre ele. Do que se passou entre a feira Popular
e omosteiro Tibetano, não sabemos, mas eis que Deucalião é avisado por um amigo
que Victor está vivo e de boa saúde em Nova Orleães, por isso corre para lá
onde se instala num cinema praticamente abandonado na companhia de um outro
refugiado de um freak show qualquer. A partir daqui o livro torna-se num
policial banal, em que a única coisa digna de registo é que o assassino em série
da praxe, desta vez, tinha começado a carreira a matar pessoas feias, mas como
eram muitas, desistiu e passou a matar pessoas bonitas, para lhes retirar as
partes mais bonitas e com elas fazer o ser perfeito. Isto lembra-me alguma
coisa. Alguéem que, com várias partes quer fazer um ser perfeito ? Como é que
se chamava esse livro ? Frankenstein…
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