Leandro Konder.
Rimbaud é, para mim, uma boa lembrança da juventude. O meu professor de filosofia do 11º ano, louco, que dava livros aos alunos que tiravam a melhor nota em cada um dos testes, ofereceu o único poema que Rimbaud escreveu a um dos meus colegas da altura. Que, embora inteligente e razoavelmente abstracto, não teve o melhor teste, que era invariavelmente o meu. Também tive os meus livros de prémio, mas nenhum como o que o meu amigo recebeu. Chamava-se, em tradução livre, "uma cerveja no inferno" de Rimbaud e eu não descansei enquanto ele não me veio parar à mão. Ainda o tenho. O exemplar do meu amigo. E hoje, muito tempo depois, mesmo sabendo que aquelas frases tipo "dancei nas margens da loucura e ri-me na sua cara" e "sepulto os mortos na barriga" não querem dizer nada e nem sequer alucinações genuínas de um poeta bêbado eram, ainda me arrepia o estômago da emoção que senti ao lê-las, e relê-las à exaustão. Cruzes. Pareço um amigo meu que agora anda com a mania de descrever o que sentia quando, há bastantes mais anos do que ele gosta de admitir, ouvia os seus cd’s, alguns de gosto duvidoso. Quando se tem 17 anos e se está a começar a ganhar o sentido do abstracto, a sensação de ler um livro daqueles é completamente única, e deixa lembranças positivas nos 19 anos seguintes. Vai daí, quando estou no supermercado (que horror, ele não compra os livros nas livrarias queques) e dou de caras com algo que diz "a morte de rimbaud" superentusiasmo-me instantaneamente e pumba. Comprei o livro mesmo sem ler o resumo ridículo da contra-capa. Mais calmo, em casa, apercebi-me imediatamente que era uma qualquer apropriação do nome do poeta, para um qualquer escritor duvidoso tentar vender uns livritos. Depois de investigar, soube que o dito escritor só tinha escrito dois livros, o que me fez ganhar logo bastante respeito por ele. Admiro pessoas pragmáticas, que escrevem aquilo que têm dentro e depois param, sem nos estar a entupir com livros fracos de 2 em 2 anos. Vai daí... li. E, surpresa, o gajo era brasileiro. Logo na 17ª linha aparece o primeiro palavrão impronunciável que os brasileiros usam constantemente no seu vocabulário. Guariroba. Previ o pior. Aconteceu o melhor. Era uma vez um detective chamado Sdruws (gosto de sentidos de humor surrealistas) que chegou a um hotel e foi recebido por um gerente chamado Saint-Ex, que trabalha para um milionário chamado Bergotte (estamos no Brasil. Semanticamente, tudo é possível). Bergotte é um milionário que comprou 5 escritores contemporâneos, pagou-lhes um salário mensal, batizou-os de Rimbaud, Rousseau, Malraux, Aragon (confesso que este não conheço) e Claudel e pô-los a escrever, penso eu de que, um livro. Rimbaud, de seu nome Severino Cavlcante, membro fanático de uma academia de musculação onde era conhecido como Rambo (estamos no Brasil. Rambo passa a Rimbaud, desde que quem ponha a altura seja um literato, Rimbaud, dizia eu, morre, caido de uma varanda. Sduws Investiga e os suspeitos são os outros 4 escritores. A partir daqui, passamos à história em discurso indirecto, em que cada um dos personagens conta a conversa que acabou de Ter com Sdruws, cada um à sua maneira, mas todos num brasileiro que, quando bem escrito e no tom certo, se torna a língua mais coloquial e engraçada das poucas que eu consigo ler no original. Mas não me cheira que o sueco ou o malaio sejam mais engraçadas. Sou um defensor da nossa língua, do português. Acho que para transmitir sentimentos e para esvrever com seriedade é a língua mais bonita do mundo. Mas, aceito que um país que tem 200 ou 300 milhões de habitantes queira Ter a sua língua. Por isso, deixem-nos escrever como quiserem, desde que não tenhamos que gramar com as suas manias. E. além disso, o brasileiro, neste registo semi-humorístico e informal, é imbatível e de chorar a rir, que foi o que eu fiz quando ninguém esta a olhar. No meio de citações de Kafka, Borges, Marx e Fernando Pessoa, o gajo consegue descrever-nos cada pormenor tortuoso da mente de cada um dos personagens, sempre de uma maneira super engraçada. Gostei do Rousseau, tão arrogante que nos faz sorrir. Ao convidar Sdruws para un jantar no restaurante japonês, ao perceber que Sdruws não sabia como se comportar e o observava e imitava em tudo o que fazia, pegou no jarro do leite e derramou um pouco no pires. Sdruws imitou-o. Rousseau pegou então no pires e pô-lo no chão, dando o leite ao gato... E logo a seguir pregou-lhe um sermão sobre o erro de deixarmos que as culturas ibéricas no sinfluenciam demasiadamente em detrimento das eslavas...