Eric Idle
Carlton é um andróide, modelo Bowie 4.5, que vive no futuro e que, talvez por trabalhar para dois comediantes, elegeu como objectivo da sua vida a escrita de um tratado sobre a comédia, senão mesmo sobre o riso, qual Henry Bergson, cujo livro nunca li mas cujo fantasma me assombrou, ano após ano nos escaparates da feira do livro, naquele sítio dos livros baratos que te sentes sempre tentado a comprar para depois nunca mais leres. Mas não é uma imitação daquela máquina andrógina, robot que parodia pessoa que parodia robot, chamada Ziggy Stardust, que tinha tanto de assustador que escreveu uma das músicas mais assustadoramente belas de todos os tempos, chamada space oddity e que parece que estava cheia de significados ocultos homossexuais (não sei quê, não sei quê, major Tom. pois...). Não, trata-se mesmo do "deus jovem branco e de cabelos de ouro, um dandi trágico, um cruzamento entre uma pívia e um sonho húmido". Carlton trabalha para dois comediantes, Alex e Lewis ou, se preferirmos, Muscroft e Ashby. Estes comediantes são perfeitamente catalogados no livro como o cara branca e o nariz encarnado, imagem muito feliz com que o autor nos consegue fazer entender instantaneamente as personalidades dos dois. Se calhar é porque não é uma imagem mas sim uma descrição factual do que os dois são. Mesmo assim, recapitulemos: O cara branca é o palhaço austero, alto e magro, que faz sempre a papel de sério e que tenta fazer o seu número, invariavelmente destruído pelo nariz encarnado, baixo, gordo, anárquico, que humilha sempre o outro enquanto lhe baixa as calças. Enfim, o gajo das tartes. Se calhar fazia-se aqui um paralelo interessante com a vida real. Ou melhor, um exercício de imaginação: quem são os gajos das tartes das nossas vidas? Aqueles que subvertem constantemente tudo o que os outros fazem, mascarando com humor um mega ressabiamento contra todos aqueles que, modestamente ou não, vão fazendo pela vida? Alex e Lewis são autores de vaudeville cómico, comediantes de serviço de um paquete de super luxo chamado Pincess Di que faz a ronda pela galáxia, ronda essa chamada o caminho para Marte. Depois disto, bem, é a confusão total, ou não tivesse este livro saído da cabeça de alguém que passou os anos 70, sim, 70, não foi engano, a derreter o cérebro com ácido. E por grande que seja a tentação de descrever a história do livro, sei perfeitamente que o indescritível não se descreve. Lê-se, apenas. Penso que agora, perto do fim, poderia dizer que o autor foi um dos Monthy Python. (...pausa para prestar o culto devoto dos culturalmente correctos...), mas isso para mim não tem significado, uma vez que não me encontro entre os seguidoras dessa religião. Apenas gosto deles, mas não escrevo tratados de devoção infinita ao seu talento. Por uma razão simples. Era tudo das drogas. Ninguém reparou que a partir do momento em que deixaram de se drogar acabou a criatividade. Ninguém acha estranho que em todas as profissões o apogeu venha com a experiência e que no mundo do espectáculo o apogeu venha no princípio? É a droga, é... Pois é. Acabo apenas com o verdadeiro herói deste livro, Carlton, sobre o qual estou eu a escrever o meu. E com o seu tratado: De Rerum Comoedia, um discurso sobro o humor. A comédia pode ser apreendida ou é um exclusivo do ser humano. Este é um livro muito bom e ainda por cima desconhecido.
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