Douglas Coupland.
Este é um daqueles livros sobre os quais não vale a pena escrever nada. Não tem história. Não tem grandes descrições. Não tem ideias. Não tem figuras de estilo. Não é em verso. O que é que sobra para se poder falar? Nada. Pois… Não é assim. Este livro transmite sensações. E boas. De calma, tranquilidade, resignação, tristeza e de alguma beleza, embora não consiga localizar nenhuma destas coisas em nenhuma daquelas páginas. A história inexistente é mais ou menos assim; uma turma de finalistas de liceu americanos vem à Europa, onde uma das raparigas conhece um austríaco numa festa e depois dele engravida, voltando depois para casa para ocultar a gravidez aos pais. É uma rapariga algo estranha, cujo hobby é visitar a casa das pessoas quando elas não lá estão, sem mexer em nada, só para sentir outros ambientes. Parêntesis. Também me imagino a fazer isso. Essa rapariga ficou bastante traumatizada porque um dia descobriu um corpo de homem vestido de mulher e cortado ao meio, na linha de comboio. Estava morto. Mas marcou-a. Como dizia o William Burroughs, no naked lunch, "wouldn´t you?". A criança nasce e é imediatamente entregue para adopção. E, por muito dilacerante que tenha sido, a vida continuou e ei-la que se tornou, 20 anos depois, numa analista informática de sucesso, emancipada, com casa própria mas sem mais ninguém lá dentro. Só os filmes do blokbuster. Um dia, um rapaz encantador surge-lhe ao caminho e diz-lhe: " Olá, Sou teu filho. Tenho pouco tempo de vida e gostaria de o passar contigo. Sem culpas. Sem remorso. Pode ser? Pôde ser. E durante esses meses, transformados em 30m páginas do mais terrivelmente triste e bonito que já li, a relação entre mãe e filho estabelece-se com uma intensidade tal que não me parece que alguma vez tenha coragem para a ler outra vez. Ando um bocado sensível. E depois, o filho morre. Depois de contar a vida difícil que teve, de casa de acolhimento em casa de acolhimento, depois de trabalhar numa loja de camas, depois de , em meses, estabelecer daqueles laços que demoram anos a criar e vidas a desatar, depois de nos cativar tanto que até dói, o filho morre. E então, eu deixo de ler o livro. Não quero ler mais. Apenas mais alguns pormenores. Ainda antes de morrer, ao contar a sua vida durante a sua juventude, deixou escapar uma frase que me fez fazer o que sempre detestei nos textos sobre livros: citá-la.
""… its after midnight and there´s nothing on tv, so you´re in your room wishing there was a song able to describe your life on the radio, and you´re cursing the aurora borealis for interfeering with the radio waves."
Provavelmente esta frase não tem nada de especial. É natural que não provoque nenhuma sensação em mais nenhuma pessoa. A mim, acertou-me em cheio, de tão bonita que a achei. Apenas mais um pormenor. Eleanor Rigby não era o nome da rapariga. Era o nome de uma canção dos Beatles. E o endereço electrónico dela. Gosto de sentidos de humor sinuosos.
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